quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Merlí, Rita, 13 Razões para.... e o Extraordinário


Anarquismo x não anarquismo?* 

A Netflix traz produções de outros países e que ainda eivadas de americanismos  que podem oferecer ora uma visão local, ora uma visão universal.

Separei 4 produções que me fazem raciocinar que possuem uma coisa em comum, a escola, a educação, a sociologia da educação e os sujeitos desse processo, pais, mães, estudantes, entorno social, códigos sociais e doenças sociais.



Merlí é uma produção da Catalunha que possui ares de Sociedade dos Poetas mortos, mas ao fim e ao cabo é autoritário numa escola autoritária, com estudantes com valores morais confusos, narcisistas e pouco afeitos a qualquer colaboração cooperativa, também jovens autoritários. A libido de Merlí provoca uma mistura de asco e de admiração por oscilar entre a franqueza e a trapaça. Ao fim ocorrem superações como numa malhação ou filmes de sessão da tarde. As rupturas são conservadoras. O sistema educacional da Espanha é um misto publico e privado, mas o ambiente é de classe media com algumas pessoas de baixa renda, muito mais deslocados socialmente do que financeiramente. Merlí é considerado anarquista, mas não é!


Rita é uma produção Dinamarquesa com ares mais reais, fracassos como filme de Building (formação/superação). Ela fracassa com os filhos, com a vida afetiva, com algumas situações, mas é sempre combativa num ambiente hipócrita como na Catalunha. Um sentido de justiça que se faz a partir das falhas dos outros e de regulamentos que não se encaixam com a realidade. Todo ato dela é heroico e anti-heróico. A presença constante de um cigarro na mão e uma libido muito liberal e sem culpa é algo notável. A escola é um paraíso no que se sugere ao conceito de disciplina. Parece uma grande comunidade pacífica. Parece uma série para uma classe média resolvida da Dinamarca em que os problemas escolares são quase pitorescos e pontuais. Tachada como anarquista faz o filho desistir de ser punk no exato momento que o pai divorciado o faz perceber que sua mãe é o retrato da maior rebeldia que ele poderá alcançar. Rita quer uma escola justa, melhor e superar as crises econômicas, as reformas educacionais, as formações e reciclagens inúteis que são desagradáveis para uma professora do Condado em Pernambuco ou de outra na Dinamarca. Aliás, dizem que na Finlândia esse papo de reciclagem morreu há 10 anos, pois a formação de base forte e robusta tornou desnecessária com a obrigação e todos os professores terem mestrado. Rita não é anarquista, embora tenha ar de progressista, tanto Rita quanto Merlí são auleiros estimulantes. O preconceito, fofoca, puxadas de tapetes com certe elegância na Dinamarca e mais escrachado na Catalunha dão o tom de sistemas de pouca liberdade.



A série  “13 Reason why....” (EUA) migrou de apologia ao suicídio à prevenção de vidas e cada um que escolha. Todas essas escolas possuem o padrão valentão, sabido de informática, o atleta, o desprezado e as tribos excludentes e auto excludentes. Neste sentido a sociologia narcisista da Catalunha é até amorosa perto da escola estadunidense. Igualmente a Rita Merlí e Why...filhos únicos, pais egoístas e profundamente centrados na superficialidades que esses filhos cultivam sobre a vida. O fato de aqui o bulling e o suicídio estarem diretamente associados, quando isso nem é regra geral para definir o drama e nem explicar que o suicida jovem precisaria de bulling para cometer suicídio. A sociologia dessas escolas é de uma imposição e sociabilidade sem compaixão, forçada, sem verdade, hedonismo em medida tamanha que só esconde uma baixa autoestima generalizada. Por que se matar é quase uma revelação de que na escola estadunidense todos são suicidas sobreviventes.




O extraordinário (EUA) difere de todos esses no enfrentamento da sociologia escolar. A família possui elos afetivos mais nítidos e o medo do bulling é quase preventivo decorrente da estética do protagonista mirim. Ele é uma superação num sentido de romance de building, mas contém um elemento político que os demais filmes de escolas e educação não possuem. A criança não supera o bulling por razão e professores heroicos, por superações e valentia pessoal. Neste filme sem propósito anarquista acaba sendo o mais anarquista quando o diretor é obrigado a penalizar os pais provocadores da situação de preconceito nos filho. O filho que gerou bulling é teleguiado por pais ardilosos. Esse aspecto é até revelado em alguns desses filmes e seriados. Há até arrependimentos tardios. No entanto, chama-me a atenção para o fato de que o diretor se respalda na Lei de proteção à infância, sem bravatas é a política pública que protege o indivíduo da agressão social. Não se pode ter uma sociedade pautada em heroísmos e esforços individuais, mas pautados em normas, regras e ações concretas que independe da moral do sujeito. Não se pode ter bulling por regra e não por demanda. A política pública contra a tirania e não o indivíduo se defendendo da sociedade tirana.


* É sempre bom lembrar que o anarquismo não rege sobre falta de regras, mas sobre regras que não fazem falta. Uma sociedade sem hierarquia é socialista e o socialismo não age na lógica de que a minha liberdade termina aonde começa a do outro (esse é um pressuposto liberal burguês), mas a minha liberdade começa quando eu ampliar a liberdade do outro. 
Trocando em miúdos nas sociedades socialistas a auto-repressão é um exercício de ampliar liberdades e não delimitá-las. E dai que se confunde que a anarquia é ausência de poder. Anarquia é ausência de chefes, intermediários, escravos e da submissão e de submeter outros. Por isso a autonomia do sujeito, antes da revolução, processo antes da ruptura.