domingo, 31 de dezembro de 2023

Uma viagem é sempre um caminho por dentro!

 

 

Alguns anos profundamente passados Pére Jean Cardonnel falou para nós da Coopérative Européenne Longo Mai: “Plus je vois les paysages, plus j’aime les visages!” Uma tradução possível é: Quanto mais vejo paisagens, mais amo os rostos! Deixei de ser geógrafo, mas a geografia não sai de ninguém. Esta frase fala de escalas do afeto e para mim os lugares não são nada sem os afetos, pois as paisagens passam e os sentimentos permanecem.


A viagem para visitar pessoas em São Paulo, um percurso da casa de amigos e amigas e amiguinhos e amiguinhas começou com uma coisa sem grandes objetivos além de ver como cada uma vem vivendo e notei aos poucos que estava visitando professores ou melhor, ensinadores - Em sina dores.


Todos passaram anos dolorosos de perdas da pandemia e um governo bastante horroroso, isto para usar um adjetivo palatável, pois foi uma provação descabida que abateu toda a sociedade do Brasil, inclusive os que apoiam até hoje essa condição ideológica de morticínio sistemático de seus opositores. A lógica do: Eu morro, mas fico feliz de matar vocês!


Todas as pessoas me contaram tudo que passaram das próprias vidas que já são nossa realidade humana e todas agravadas por esse pano de fundo desestruturante da sanidade física e mental. Em resumo, sobrevivemos!


Esse sonho dessa viagem começou quando em outubro de 2020 se falou das primeira vacinas disponíveis, que em tempo histórico foram desenvolvidas por mais de três técnicas. Então, achei que logo seriamos vacinados e na segunda-feira já estaríamos livres. Enfim que em 2021 chegaram as vacinas para público prioritário e pouco a pouco foi chegando para todas às pessoas. Embora tenhamos nos vacinado naquele ano, ainda foi impactante o crescimento de desaparecimentos.


Então, essa viagem ficou guardada e a luta do dia a dia para reconstruir tomou o lugar e foi sendo empurrada para o 2023 e assim aconteceu. O fato que puxa tudo isso é uma melhoria da minha vida, mas acabei por ver progresso de todas as pessoas, seja pessoal, seja econômico, seja afetivo ou ambos. Demos sorte de nos vermos no melhor momento de cada uma, dando passos para novos progressos e soluções impensadas antes.


O que mudou ou como mudaram as pessoas? Todas as pessoas que vi se mantiveram autênticas, continuaram firmes na sua moral e anseios. Nenhuma dessas pessoas traíram suas personalidades ou fugiram do que eram na última vez que as vi e dialoguei. Todas as pessoas se mantiveram autênticas e o que ocorreu de fato é como as mudanças em suas vidas foram encaradas e superadas. No caso aos que tiveram filhos ou irão ter, vem a ideia de que não são mais as preocupações centradas em seus objetivos pessoais. Um papai que ficar mais perto do filho, outros querem a vinda de uma nova criança e os que já estão com a criançada crescida centrados em seus desenvolvimentos. Por fim, os que não querem dar mudas, resolutas em seu caminho ou cuidando de papais e mamães que já são um foco não centrado em suas individualidades. Pessoas que se dão, se deram e se darão por um viver melhor àqueles que amam.


Percebi em um momento que eu estava num processo terapêutico que denominei Chacoalhão Terapêutico, pois de repente estava chorando com a formatura de uma criança que nem a conhecia. Os amigos e amigas generosamente me aceitaram não como um viajante de fora, dos acontecimentos fugazes, afinal, professores estão nos fechamentos das suas classes, formaturas e reuniões diversas de escola que temos algumas vezes a impressão que seria só fazer um Ctrl+C e Ctrl-V que os dizeres da reunião de 2010 até 2023 daria na mesma para o planejamento de 2024.


Falamos muito de escolas, do novo papel dos professores categoria O e suas contribuições, suas formações, como são utilizados pela educação pública em São Paulo. Percebe-se o que sempre soubemos que a escola é um teatro de guerra permanente, com nuanças de cada época o espaço educativo é mais disputa do que educação. Em cada discurso de amigos e amigas professores havia uma consideração de como fazem para sobreviver nesses espaço construindo relações, projetos, falando de estudantes e suas vitórias agrestes. Todas essas pessoas eu conheci sem a experiência de trabalhar em escolas, alguns mal se viam nesse espaço que agora é seu instrumento e local de olhar uma sociedade melhor.


Aceitaram-me em seus cotidianos de trabalho e vida, apertando daqui e dali para receber aquele maluco que ia talvez dar apenas um abraço e seguir.


De repente, corrigir uma árvore caída num quintal era um acontecimento banal com características transcendentais do “se eu vivesse perto, estaria nos rolês das tuas vidas”. Amizade não é só a celebração, é varrer um chão junto, ter as vulnerabilidades partilhadas sem julgamentos. Alcançar nossas falhas e saber que conduzimos as nossas vidas mais pelos erros do que pelos acertos.


Ver um sorriso iluminado de uma criança que trazia luz para toda uma casa, um filho mais tímido sentir confortável com aquele objeto ser-estranho que sou. Tudo isso, inclusive, por eu ter aceitado que me comunico muito bem com a maioria das crianças.


Em mim a maturidade de lidar com o Palhaço Aperreio que melhorou sua sanidade mental na busca de uma relação com o público infantil. A viagem por dentro de mim era todas essas coisas viajando pela vidas de cada um que conduzia a falar de seus sucessos e superações.


Brinquei que era a viagem dos trutas, depois dos professores e finalmente dos Em sina dores, afinal, aprendemos com dores e com prazer. Não passamos por aqui indeléveis, em toda situação há uma demanda da vida que nos afeta, nos exige, nos conduz a erros e interpretações que podem ser injustas ou exageradamente positivas. A vida é meio assim, penduramos em pinceis e pedimos para tirarem as escadas.


Nesses ancoradouros de afetos ouvi falar de arte, cultura de projetos e lançamento de ideias e por nossa luta veio um governo menos hostil aos nosso projetos. Vamos enfrentar tudo dessa nossa sociedade, porém, há um aporte diferente de recursos para projetos acadêmicos, culturais e sociais. Temos ai um vislumbrar de possibilidades, mas o enfrentamentos locais que carregam o reacionarismo e rejeição à democracia.


Recentemente estava olhando essa viagem como uma troca de sementes. Como nos contam que os camponeses do passado, de tempos em tempos pegavam suas sementes e iam longe encontrar outros agricultores para fazer trocas de novas sementes. Esta viagem foi para eu levar minhas cotas de sementes, receber as cotas desses cultivadores de longe.


Não tenho como falar de tudo que aprendi, de tudo que ouvi e senti perto de mais de 30 pessoas que dialoguei, logo eu que sou militante da solitude, uma pessoafóbico amoroso e sair do meu isolamento para viver 15 dias intensos com as pessoas foi muito saudável e necessário.


Muitas dessas gentes queridas me falaram como fui importante ou contribui com suas caminhadas. Creio que é isso que importa, em algum momento de nossas vidas nos demos as mãos e fizemos um bloco de carnaval, um grupo rítmico, um debate, muitos projetos acadêmicos e agora levei a experiência de projetos culturais que nasceu em 2009 com o Ponto de Cultura Prudente em Cena, que internamente era a primeira tentativa de pedagogia anarquista não formal. Na época eu pensava nas comunidades terem a arte e cultura dentro do conceitos de cultura de acesso. Depois de eu passar nessa viagem eu percebi que as práticas com cada um era para fazer aquilo que eu também buscava. Como está escrito no titulo de uma tese da Unesp “conquistando cotas de liberdade”. O marco dessa trajetória e com quem falei é que casar, ter filhos, ir para um espaço formal de educação, não ter filhos, assumir e construir sonhos são o aspecto revolucionários de conquistas de cotas de liberdade. O anarquismo é ruptura com muitas coisas, mas ele nunca questionou a necessidade de afeto, não importa quão revolucionária seja a pessoa, se não doa e desfruta do afeto é só um monte de palavra atrás da outra que a guia. Cada um que leve suas porradas da vida para ao seu tempo entender isso, a gente espera lá na curva tomando uma cerveja para elas chegarem às suas conclusões. A amizade não é dialética, a gente gosta dos atrapalhados e dos certinhos e pronto!


Queridos amigos e amigas, somos como árvores com raízes que por vezes tombam com ventos fortes e que com apoios de quem nos respeita, conseguimos nos reerguer!


 
Essa Nespera tombou na casa de Nizete, Neto, Ernesto, Marina e Dina.
Puxando daqui e dali, com ajuda mutua, colocamos ela de volta paa aguentar mais alguns anos dando frutas em Peruibe-SP.