Beijo de Carnaval
“Com cachaça e com Almeida vão ouvir a nossa voz!”
refrão canabiolítico
Nunca fui de carnaval. Uma parte de mim achava alienação e outra parte não negava o fenômeno que enlouquece algumas pessoas. Depois, a tradição da família era de distancia controlada com as coisas incontroláveis.
Já íamos para 6 anos de nosso bloco no interior de São Paulo. Uma terra de agroboys que o carnaval de rua havia sido proibido. Então que lá sim havia uma razão política para inticar com os poderes locais e deixarmos invadir nos de carnaval.
Essas coisas de cultura popular confeccionamos dois bonecos gigantes. Ah! Isso mexia com meu imaginário de minha terra natal, tão conservadora e racista possível e de apartheid hipócrita que lhe valia. Ainda assim, nesse ambiente perverso o Seo Vitalino fazia seu carnaval com um boneco gigante que criança me trazia muita alegria. Um homem negro numa cidade perniciosa e que fazia um carnaval que hoje sei que era revolucionário.
Criança fica confusa com nome e minha família tinha uma obra do Mestre Vitalino que hoje com algumas rachaduras perambula pela casa de algum de meus irmãos com uma fúnebre cabeça de coco esculpida de Lampião, sabendo hoje a morbidez da referência. Confundia-me com Seo Vitalino e Mestre Vitalino e que sei agora que ambos eram mestres.
Nosso bloco completava cinco anos de caipirinha escassa, sempre fiz duas garrafas de 5 litros que magicamente os foliões não davam o prazo da 10 metros de folia para acabar e se a esquina fosse mais próxima dali não passava.
Eu peguei com uma boneca gigante e do início ao fim fui pulando pela Vila Brasil. Era insana a energia que vinha de dentro de mim. Dar vida a uma boneca, Seo Vitalino, ausência do carnaval em minha vida. Eram ladeiras de paralelepípedo e quanto mais eu dava vida à bonecona, mais feliz eu ficava.
Ah! Pensei! Assim ficam essas pessoas do carnaval. Não é só o álcool! É se vestir de outro de nós que somos nós negados durante o ano. E se calo viesse, se arranhões ardessem e sei lá mais o quê? Ninguém matava, ninguém morria!
Até que chegamos à praça da igreja e brincamos mais um pouco e eu tinha energia para mais um tanto de hora e nem sei mais. Eu, sujeito indisposto ao carnaval e brincante? Que inusitado e transformador.
Hora de sair da fantasia e quanto sai uma moça tascou-me um beijo de carnaval em mim. Óbvio que ela não sabia que seria meu primeiro beijo de carnaval. Riu marotamente e meu coração se espatifou em estilhaços abrasivos. Claro que eu pensei que era um pedido de casamento e que dali se descortinaria um feliz para sempre e com direito a uma casa de doces de João e Maria eterno.
Aprendi que um beijo fugaz de carnaval é especial por que acaba. Ficou uma tatuagem imagética em mim, que sou desses homens de intensidade hiper calamitosa e abrasiva. A moça foi moça e dessas que plantam florestas em desertos, bem, ao menos no meu que é exagerado por decisão.
De tempos em tempos nesse mais de 10 anos passados falo da relevância daquele afeto. O que a moveu é um signo de mulher que pode. Não pedi! Não desejei! Nem acharia que merecia! Hoje eu sei que pedi, que desejei e que mereci, mas era afeto integro.
Remotamente nesses dias digitais a lembro ou não me deixo esquecer do meu primeiro beijo de carnaval. O segundo eu estava bebado, mas isso são outros carnavais!
Dedicado a Day