http://ateteiafoiafeira.blogspot.com.br/2014/07/vagina-e-poder.html?showComment=1406244590104#c8188201853220185963
Depois que eu e meu parceiro de vida começamos a pensar em gravidez,
passamos a buscar informações e nos surpreendemos ao perceber que aquilo
que é mais desejado pelo casal, tem grandes chances de se tornar um
caminho de dor e violências.
Descobrimos uma rede de mulheres organizadas pelo parto ativo, engajadas
na missão de mostrar que a mulher é (e assim deve ser reconhecida) como
a protagonista da gestação e do nascimento.
Há um conjunto de textos, entrevistas e até filme sobre a 'violência
obstétrica', uma expressão que parece estar sendo ainda desvendada em
sua significância - como definir o que é ou não violência obstétrica, na
psicologia, na área médica ou na juridica, e depois, como implantar um
sistema de proteção contra a violência obstétrica, alterando um conjunto
de práticas nefastas repetidas ao longo de anos?
Num debate sobre violência obstétrica, veiculado pela TV Cultura, em seu canal Web (
http://tvcultura.cmais.com.br/jcdebate/videos/jc-debate-sobre-violencia-obstetrica-06-03-2014),
a médica obstetra afirma que os médicos chegam a inventar argumentos
para levar uma mulher à cesárea, ou seja, eles mentem para não ter que
esperar o tempo natural do parto. O motivo é financeiro, os planos de
saúde pagam o mesmo valor por um parto, tenha sido uma cesárea de uma 1
hora ou um parto vaginal de 12 horas. No debate ela apresenta uma série
de dados assustadores sobre o número de cesáreas no Brasil (muito acima
do recomendado pela OMS) e o uso excessivo de fórceps, entre outros
procedimentos desnecessários e agressivos cometidos por profissionais da
saúde formados numa cultura médica moldada por interesses comerciais.
No mesmo debate, a defensora pública explica que a luta é criar a
legislação, pois não existe violência obstétrica juridicamente falando!
Ela disse que o que a justiça faz, por enquanto, é enquadrar em outros
crimes como lesão corporal e danos morais.
A medicina exercida atualmente no Brasil é mesmo comercial, e mulher é
carne no açougue. Nossos médicos podem mutilar as vaginas e barrigas das
mulheres, puxar a fórceps seus filhos, causar dores terríveis e privar
mulheres da experiência que pode ser a mais significativa, natural
(animal) e humana, na vida de uma mulher, homem, e filh@.
A criança nasce com horário marcado, diferente do horário que os corpos
desejam e para o qual se preparam. O hormônio natural (ocitocina) que
existe no nosso corpo especialmente para o momento do parto, que regula
todos os tempos entre mãe e filh@, é substituído pela ocitocina
sintética, criada artificialmente e injetada a doses cavalares para
acelerar o parto.
Além do aspecto econômico que subjuga mulher e família a práticas
cruéis, há ainda o contexto cultural, ou seja, o machismo com seu horror
a vagina. O artigo de Ligia Moreiras Sena, bióloga e doutoranda em
Saúde Coletiva, disponível no link
http://www.cientistaqueviroumae.com.br/2014/04/gata-eu-quero-ver-voce-parindo.html, fala sobre a rejeição ao parto vaginal e ao próprio uso da palavra vagina.
Eliane Brun, em seu artigo Por que a imagem da vagina provoca horror?, publicado na revista Época (
http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/06/por-que-imagem-da-vagina-provoca-horror.html)
conta o espanto da mulher que trabalha em sua casa como empregada
doméstica quando se deparou com um quadro novo que ela havia comprado. E
segue revelando outras histórias de horror à obra (replicada no quadro
comprado) A origem do mundo, de Gustav Coubert, que retrata a vagina de
uma mulher deitada com as pernas abertas, como se tivesse acabado de
gozar. Por fim ela se pergunta se é ela a maluca da história por ter
gostado tanto de ver aquela vagina escancarada, quando a reação da
maioria das pessoas é de rejeição. Na história dessa e de outras obras
que trazem a vagina na tela, assim como a experiência que teve a
trabalhadora doméstica, eram de horror.
Contraditório se pensarmos na quantidade de revistas pornográficas que
estampam mulheres nuas nas bancas, ou nos programas de TV com suas
panicats e xuxas... Ou seja, mulher pelada pode, desde que seja sempre
numa condição de objeto sexual, e não de protagonista do desejo ou de
qualquer coisa que seja.
O mesmo acontece na hora do parto, em que no lugar da mulher ativa e
protagonista, só há espaço para a mulher objeto de intervenções
cirúrgicas, que por vezes têm suas vaginas mutiladas pela episiotomia –
procedimento desnecessário e contra-indicado, mas amplamente
utilizado. Nesse sentido, vale a pena conferir o trabalho da fotógrafa
Carla Raiter e da produtora Caroline Ferreira no site:
http://carlaraiter.com/1em4/.
Fico pensando que a opressão está presente, muito presente, presente em
tantos atos cotidianos e tão carregada de medo, nojo ou ódio... às vezes
tenho a impressão que com toda a recusa que a sociedade tem em aceitar
seus preconceitos diversos, o machismo ainda resiste a 'sair do
armário'. Me indigna aquela história de que a mulher tem inveja do pênis
do homem. É quase como dizer que nascemos já como opositores, e que o
torturado tem inveja do cassetete que seu torturador possui. Talvez se
fosse o inverso, ele é que poderia estar torturando. É como dizer que ao
oprimido só cabe querer ser opressor. E nessa história de oprimidos e
opressores, a guerra nunca acaba. Também poderíamos dizer que o homem
tem medo da vagina da mulher, medo de seu poder. Mas não vejo solução ao
enfatizar essa relação de opostos....
Mas tem essa coisa do ‘poder’: o ‘poder sobre’ – o poder para dominar,
agredir, estar nos melhores cargos, ter mais dinheiro; e o ‘poder ser’, o
‘poder fazer’ - que vem antes disso e legitima isso. Ou seja, se o
homem pode ter seu falo representado das mais diversas formas, se pode
andar sem camisa, ser papa ou não ser criminalizado pelo aborto de seu
filho, o que a mulher pode? E se ela não pode ter filhos como
protagonista, não pode exercer a maternidade porque o mercado não deixa,
não pode mostrar o peito, então, novamente, o que ela pode?
É esse entendimento libertário do parto ativo que me fez gostar tanto
disso, porque é sim uma questão de empoderamento, e isso é fundamental
discutir em feminismo. E o mais interessante: é empoderamento para uma
experiência essencialmente feminina. Poder ser mulher, poder ser mãe,
poder participar ativamente daquilo que ninguém sabe fazer melhor do que
uma mãe.
Quem sabe no dia que a sociedade aprender a respeitar o ‘poder ser’ mulher, a gente consiga viver com mais igualdade e paz.