quinta-feira, 16 de novembro de 2017

A geografia quando não mata ... fere as mulheres!






Considerações ao livro de Colin Ward "The child in the City."


Criança eu me enraivecia com mocinhas de filmes, sempre caindo, errando, deixando se irem qual criancinhas tolas para as mãos dos vilões... atrapalhavam os mocinhos.... desejava que não tivessem filmes com aquelas chatas e tapadas.... se eu fosse representado como entrave... o que eu sentiria!? (autor)

Colin Ward escreveu muitos livros de cunho anarquista sobre o espaço e a educação. Uma de suas obras importante para visitarmos é “The child in the City” "A criança na cidade". Os geógrafos são sempre acometidos de grandes temas, nem sempre a educação ocupa esse panteão. Não, não são os geógrafos mais machistas que os demais cientistas. Nem as ciências moles são menos que a duras.

Eu sempre procuro entender por que a educação espacial das mulheres também é um componente da formação machista, junto com a divisão social do trabalho e até a obliteração da descoberta esqueleto motora dos bebês (Emmi Pikler 1902-1984)[i] com maior prejuízo para as meninas que se juntam ao rol do currículo social prematuro do lugar que a mulher é empurrada estar.

Ward foi mais longe num dos capítulos de seu livro “The girl in the background” que prefiro traduzir  como “A menina em segundo plano” e discorre como as meninas, as jovens e as mulheres estão em segundo plano e são vitimas de um silêncio em tudo a que se refere a educação, uso do espaço, literatura, rituais de autodescoberta e que tais silêncios só são quebrados na cabeça masculina quando as mulheres sem encontram em problemas.

O autor reitera que quando se pensa em cidade é comum a invisibilidade das mulheres, isso, mesmo sendo um escrito antigo e de outra sociedade pode ser percebido ainda hoje no Brasil, ou seja, persiste! Ward extrai um discurso de Eileen Byrne[ii] da Comissão Britânica de Igualdade de Oportunidades proferido no início da década de 1980, aqui traduzido:

Eu sou céptica quando chegam com esse discurso das aclamadas diferenças inatas entre meninos e meninas. Eu creio que 98% disso decorre do condicionamento social. Talvez eu esteja enganada, mas muito dessas diferenças de suas destrezas verbais e espaciais advém do fato que seus professores reforçam isso. (WARD, 1978, 1990, p. 131).

               Ward segue dizendo que muito da educação dos garotos para explorarem a extensão espacial seria de bom senso oferecer às garotas e também acabar com essa coisa de jogos de meninos (físicos e amplos) e de meninas (contemplativos e meticulosos). E de certo modo a preocupação apontada não é com a qualidade de aprendizado espacial, mas muito mais a que se refere à quantidade dessas experiências espaciais para as meninas.

               Na época desses escritos Ward também se preocupava com crianças que vinham de outras culturas e que as restrições religiosas e culturais eram severamente impostas às meninas na exploração e experiências espaciais que iam muito além das observadas com as nativas da Inglaterra. Hoje estaríamos deparando com problemas da escola sem partido e contra a educação de igualdade de gêneros quais refutam ações com meninas e meninos segundo suas religiões.

                Outros dados trazidos por Ward afirmam que as meninas e meninos entre 8 e 11 anos já trabalham em atividades domesticas numa proporção de 8 minutos para elas e 5 para eles, ou seja 3 minutos a mais para elas e quanto mais avança a idade maior é o tempo gasto por elas em trabalhos domésticos do que para os meninos. Por fim, as mulheres adultas se constrangem nas ruas por uma reminiscência de seu passado infantil de cerceamentos de exercer sua territorialização. E podemos adicionar para o Brasil escravocrata e machista que agudizam a desterritorialização da mulher que não somente tem restrições espaciais como de tempo. A mulher não pode estar onde quer, como quer, quando quer sem se precaver das ameaças concretas à sua liberdade e integridade emocional, moral e física.

                Na Inglaterra há algumas restrições a cercear as mulheres em locais públicos sendo passível de processo e penalidades o ato de “to scare someone” à grossa tradução seria: “fuzilar com os olhos uma mulher” ou “criar desconforto pelo olhar fixo”.

                Na escola, no trabalho, nas ruas, nos locais de frequência social pública ou privada a mulher tem a castração espacial e sua desterritorialização sistematicamente empurrada ou determinando como e o que ela deve fazer, mas não o que ela deseja.

Se vc mulher estiver numa rua deserta e vc ouvir passos vindos de trás, vc prefere que seja um homem ou o diabo?
               
  Triste saber que a resposta é óbvia!

                Claro que esses saberes as mulheres já os possuem de longa data, por serem vítimas constantes. Há feminismos diversos que tentam dar conta dessas imposições e nos últimos tempos está bem longe sentir-me o mais habilitado e legitimado a tratar dessas coisas. Poderia estender a espacialidade castradora dos negros, outras minorias, suas exclusões e desterritorializações, mas creio que é na misoginia espacial que muitas questões podem começar e provocar a dessexualização do espaço que tem muito mais a contribuir com a luta por dignidade e respeito às mulheres que se imagina.

        A cidade para Ward é inadequada para as crianças aprenderem, é hostil, limitante e sem adaptação e que uma cidade educativa deve ter alto teor de acessibilidade, mas ele nos traz para uma realidade brutal no que tange às meninas que precisam de estímulos concretos que favoreçam isso na construção dessa urbanidade ruralidade também anti-sexista!

           Em sua conclusão, Ward não acredita que a educação para a igualdade em si é um avanço para as mulheres, pois muitas veze o que prevalece é uma paridade na agressividade que as meninas adquirem com os meninos. Sendo o triunfo da agressividade masculina e não a liberdade das mulheres. Completa que a liberdade  das mulheres da passividade e da docilidade implicaria em também na liberação dos meninos da pressão de ser um predador.

        Ultimamente, para não ser confundido com o diabo... o que devemos fazer e nos auto-desterritorializar e respeitar a zona de segurança e trânsito das mulheres.
                
Queridos amigos homens... mudem de calçada!





[i] Emmi Pikler (1902-1984) cujo seus alertas preconizam que  o adulto tem a tarefa de criar uma relação de confiança e interação com o bebê durante os principais cuidados (banho, troca de fraldas, alimentação). Outra inquietação é que o espaço deverá ser  organizado para que o bebê possa se movimentar com mais liberdade desde muito cedo, defendendo isso proporcionar maior autonomia (a criança conquista cada posição por si mesma na medida em que é capaz de manter sua postura) e melhor desenvolvimento motor.

[ii] Professora de Educação (estudos Políticos) da Universidade de Queensland, Austrália. Foi Deputada Chefe do da Educação da Inglaterra e primeira Responsável pelo Escritório da Comissão de Igualdade de Oportunidades Britânico  e por três anos consultora da UNESCO sobre igualdade entre sexos  e treinamento  educação vocacional de de jovens.