sábado, 18 de abril de 2020

Pandemia e anarquismo


Não me considero um anarquista muito aplicado. Creio que sou um micro anarquista. As relações anarquistas imediatas, próximas e não duradouras. Bem, uma anarquismo bem pessoal que não seja reproduzível por ninguém.

De todo, baseio-me no anti-autoritarismo que para alguns é chutar blindex de banco, para outros é se mansinho holístico esperando a bondade alheia agir.

O meu anti autoritarismo é uma construção, assim, ser brando, manso e cordato pode parecer democrático e anti autoritário, mas não é.

Aprendi que o autoritarismo está tanto no que impõe tanto quanto no que se deixa impor em silêncio, por comodidade e por que se posicionar firmemente seja ainda visto como mandar e determinar.

A indolência e good wibe de alguns é puramente autoritária.

A pandemia me colocou aonde sempre eu achei que estaria. Estou junto com o Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos MTD - PB que atua na frente de entrega de Cestas Básicas e outras ações de organização e amparo às comunidades de ocupações na Paraíba, sendo a atuação mais forte na grande João Pessoa.

Estabelecemos ficar acampado num local para não voltarmos para casa e por em risco nossos familiares. Um grupo de 5 pessoas articulado com outras externas que se amplia para 30 caso a ação exija.

A pandemia exige um olhar sistêmico sobre nós. A hierarquia é não nos contaminarmos para continuar atender essas pessoas. Só isso coloca como nossa autoridade um vírus.

Higienizar, organizar e decidir para onde vão as doações é em si autoritário. Não podemos atender a todas as pessoas e mesmo nessas localidades há as que precisam mais que outras.

Ser anarquista com quem não é ou não entende o anarquismo é autoritário. A partilha do pão não é consciente, mas uma urgência precária. A precariedade é autoritária.

Organizar nessas condições é autoritário?
Somos capazes de combater ou distribuir alento sendo mansos?
Ceder e negociar é possível com um número grande de pessoas desatendidas?

Houve outro dia um número de 1200 pessoas para atender, mas só chegou doações para 300. Assim, tivemos que escolher as 300 por uma logística que nos desse segurança e atendimento. Será que foram as 300 que mais precisavam?

Um morador de rua via descer doações ao longo de 3 dias de nossa central e pediu uma cesta básica. Triste imagino ser ver uma aparente fartura e ter que ouvir um não! Dei algo e assumi que passei na frente alguém. Eu decidi autocraticamente doar fora da planilha!

A partilha do pão e de nosso trabalho dá uma legitimação que não pode ser severamente julgada. Não dá para se condoer de não atender alguém quando não conseguimos até agora atender nem 10% dos necessitados mais vulneráveis.

Dar mais a quem precisa de mais e dar menos aos menos necessitados é quase impossível. A sociedade precisa estar muito bem organizada e atenta para sobre cada família para ser justo.

Então, a pandemia nos avoluma de questionamentos humanitários e políticos.

Digo porém, quando uma ocupação tem organização, responsáveis e coordenações nos sentimos mais coerentes ao atender com cestas emergenciais do que nos lugares sem organização.

O desconhecimento da realidade neste momento é o que mais investe oprimindo do que o vírus em sí.

A desorganização neste momento é evidente a maior arma de destruição das politicas sociais e é o autoritarismo mais acachapante.

Sempre soubemos disso. O vírus só bateu na porta e mostrou que todas as mazelas sociais que combatíamos em tempos de paz de baixa intensidade ou guerra dissimulada.

Agora podemos ver o tamanho e profundidade dos efeitos da miséria. O receio de contaminações em massa, em curto espaço de tempo e fulminantes acelerou o impacto que antes se diluia em meses e anos. Todas as pessoas que iam desaparecer nas escadas do Estado podem sucumbir em 2 ou 3 meses.

Uma quantidade enorme de vulneráveis pode realmente ser atingida mortalmente.

O anarquismo exige profunda justiça social. A justiça precisa de profunda assistência humanitária.

Tento não me doer ou condoer pensando na incapacidade de atender os mais urgentes.