quarta-feira, 14 de maio de 2014

Ser mais anarquista do que se é! Criando Indice de Anarquificiência!


Um anarquista catalão me disse um dia que se você diz que é anarquista já é!

Assumir-se nessa ideologia, pensamento, postura e ação faz você ser anarquista?

O problema é achar que você consegue ser mais anarquista do que é possível.

Inclusive, quem mais cobra que um anarquista seja anarquista são os não anarquistas!

Todo mundo sabe ou decide pensar o que deveria ser um anarquista.

Mas o que é mesmo o anarquista?

Entre a decisão de se mediar pelos escritos, práticas e figuras anarquistas e sê-lo é apenas um passo.

Podemos ser mais anarquistas que conseguimos ser?

Ser naturista, mundano, pan-sexual, relação aberta, mutualista, anti-hierarquico, anti-clerical, anti-estatal, anti-fascista, coletivista, federalista, anti-machismo......esse pacote define um indice de anaquificiência?????

Embora até se creia e seja necessário e até inelutável ser progressivamente mais anarquista do que se é, ainda assim, não há um índice que diga haver um patamar de fidedignidade anarquista.

Um padre anarquista, nesse sentido é possível!

Um casal monogâmico pode ser anarquista!

Um tímido corporal pode ser anarquista!

Um racista pode usar os métodos anarquista, mas isso não o torna anarquista!

Por que estou brincando com isso?

Por conta desses tribunais morais criados por pessoas que nunca fizeram muito esforço para articular práticas e ideias anarquista julgarem ser capazes de dizer o que é um anarquista ou o que ele deveria ser!

A conquista de cotas de liberdade de uma pessoa não é dialética. Esses tribunais moralistas e puritanos ideológicos não me serve muito.

Ser um anarquista puro e integral é uma grande bobagem e é anti-anarquista!

A possível identidade, se existe, está na busca por cotas de liberdade no campo individual e coletivo.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Dialética de Elisée Reclus e divagações!




Dialética de Elisée Reclus e divagações!

Aviso: Este texto é exploratório, por isso, pretensioso e desarmado! Por tanto, não leve-o tão seriamente, afinal, é mais para encher o saco do que um contribuição exaustiva!

Das divergências teóricas, políticas e metodológicas entre marxistas e anarquista pode ser citada a distinção na compreensão da dialética reclusiana como Francis Pelletier destina atenção, se bobear, um dos poucos autores que tentaram, ainda que olhando Elisée Reclus pelo retrovisor elogioso.

No caso da geografia há muitos que afirmam a dialética marxista como método não ter trazido nada útil para algumas demandas científicas geográficas. Inclusive na geografia física, cartografia, regionalização e por outros caminhos que o embate ideológico fica mais ou menos exposto.

Salvo, claro, incluir as demandas concretas dos trabalhadores. Então, qualquer trabalho de geografia que penda para além de ser crítico, ser dialético, tem que incluir as contradições sociais entre classes proprietária dos bens, do processos produtivos, comunicativos, forças de opressão e controle e do outro, a classe trabalhadora.

Apesar do marxismo ser capaz de analisar as contradições e disputas intercapitalistas não aborda dialeticamente as contradições interproletárias que vê o proletariado como um todo ou dividida entre os que são pueris quando são alienadas e heroicos quando são conscientes da sua condição de classe.

A síntese da luta de classes (tralhadores e patrões/capital-trabalho - sociedade e natureza /corporações - países ricos avançados tecnológicos industriais/países dependentes ou subservientes) e desses pares dialéticos, grosso modo, é o que move a sociedade e para alguns é o motor da história. E se são pares dialéticos, certamente disso se espera alguma síntese.

Em razão disso um estudo marxista tem que ver as bases, buscar a raiz das questões que explicam o desequilíbrio entre as classe e assim dizer a razão de um determinado espaço geográfico se apresentar ou se transformar ou se especializar ou se esvaziar pela perda de interesse em suas virtudes outrora cobiçadas, exauridas ou decadentes. Como a questão é cultural e política, tende-se dizer que um estudo com essa base na dialética marxista é mais ideológico do que científico.

Impera dizer que estudos nas áreas das ciências naturais não desfrutam em nada dessa dialética marxista. E seria justo, pois a história e a dialética está no campo só social e não sendo a natureza auto consciente, não é histórica, nem dialética, pois os processos naturais seguem rotas próprias em que nada do emocionalismo humano interfere.

Um pesquisador que estuda desabamentos de encostas em áreas urbanas ou rurais, talvez tenha que ir além da física e da mecânica dos solos para oferecer respostas ao deslocamento de solo onde a ação humana é mais explicativa do que a estrutura do solo. E realmente, não há nada de histórico em estudar a organização das células de uma Taioba. Pode se antepor um esquema da organização bioquímica dessa planta a outro. Uma tese e uma antítese ou várias antíteses sobre isso. Nessa comparação ou de outras antíteses se pode chegar a uma conclusão mais próxima do funcionamento celular da Taioba ou uma síntese. Seja como for, só se descobriu alguma coisa a mais sobre a fisiologia da Taioba, mas isso não irá torna-la um coqueiro.

Mas o materialismo histórico dialético trata das coisas humanas em sociedade e em conflito de interesses desiguais, contraditórios e por isso mesmo combinados. Aborda desejos, interpretações, contextos, sujeitos e interesses humanos. No meio do curso da história pode ocorrer uma revolução, uma greve, uma guerra, uma epidemia, a falta de alimentos e pressões contra a vida humana provocadas por outros seres humanos. Uma calamidade natural pode agravar a desigualdade já estabelecida. Quem cria a desigualdade não é a escassez de recursos naturais, mas os seres que se apropriam dessas virtudes.

Segundo Francis Pelletier a dialética reclusiana difere da marxista, dizendo ela ser simples em sua explicação e de difícil aplicação que em parte parece beber na concepção dialética de Proudhon. Por assim dizer, a dialética reclusiana escapa da dialética clássica dos contrários que se opõem e se excluem e da hegeliana de dois termos contrários que dão origem a um terceiro novo termo que seria a síntese.

Afastando-se da afirmação-tese, negação-antítese, negação da negação síntese e de outros pilares das leis dialéticas, tal como o processo, mudança de quantidade em qualidade, por exemplos. No sentido da dialética reclusiana, as aparentes oposições como: autoridade e liberdade; igualdade e liberdade; homem e mulher; guerra e paz formam tensões contraditórias que são oposição e combinação ao mesmo tempo que não resultam em uma síntese, evoluindo em balanço (Proudhon) e em equilíbrio (Reclus).

Pelletier interpreta que essa dialética reclusiana é mais próxima do equilíbrio representado pela filosofia do Tao – Yin e Yang. Por isso, o peso da história é menor ou de outra forma assimilado do que é fundamental no materialismo dialético. Segundo Pelletier, Reclus não via apenas progresso sintético da sociedade, mas após qualquer revolução, havia regressos ou retrocessos. A história não apenas progride, mas contém elemento da regressão. Isso cria uma oposição clara ao que se diz da lei dialética de mudança ou que para o processo de análise científico ou político tudo se altera, nada é definitivo. Essa afirmação não convive facilmente com o fato de que num determinado fenômeno não há só a mudança e a transformação, mas um germe, um processo resiliente que persiste no regresso, no retrocesso e na contra-revolução.

A interpretação da história também fazia o fato se tornar uma invenção para os anarquista, passível de ser falseada. Desse modo, alguns anarquista preferem não depositar exagerada compreensão no presente a partir de uma heurística do tempo social, indo lá aonde a história foi re-interpretada. Esse avanço linear e permanente da história não condiz com os fatos. Evolui e regride e se falsifica ou mal ou tendenciosamente se apropria do fato, que em si pode ser desvirtuado de sua verdade.

Um aspecto que por muito tempo ficou relegado na teoria e pesquisa com abordagem pelo materialismo histórico e dialético é o espaço que só se colocou extensamente após a II Guerra Mundial pelos marxistas, coisa que já se concebia no princípio do anarquismo ser anti-territórios de poder.

Como os anarquistas passaram a ver a história como um invencionice dada à múltiplas interpretações segundo seus interpretadores, o espaço era para os anarquistas o registro óbvio e fruto dessas evoluções e regressos mais realistas do que uma hipotética gênese histórica. Assim, o termo geohistória figurou importante no pensamento geográfico anarquista. Espaço e tempo já eram inseparáveis, mas isso não nos favorece em nada.

Hoje porém, não se pode afirmar que a geografia qualquer que ela seja esqueceu o espaço em detrimento da história. Em qualquer trabalho sério e sistemático prevalecem a interpenetração de tempo e espaço. Isso porém, na época de Reclus era uma oposição aos conceitos de Vidal de La Blache que partia para a fabricação de seu conceito de região, forçando a barra com a imposição do conteúdo da região natural para desembocar num região cultural, encobrindo que tudo era definitivamente uma regionalização política cheia de temperos metodológicos positivistas.

Venceu em nossos dias o conteúdo denominado geografia humana de La Blache como um elemento natural da paisagem, contra o conceito de geografia social de Reclus que interpõe a cultura e a política como fundamentais. Essa naturalização da região, tanto em La Blache como em Ratzel ao fim de tudo não desemboca no respeito ao meio ambiente que é sempre um fonte de recurso disposta para ser utilizada pelo homem de qualquer maneira e de forma inesgotável.

No quadro abaixo farei um esforço para comparar a leis da dialética marxista com as reclusianas.
Dialética marxiana
Dialética reclusiana
1. A Mudança Dialética.
I – O Movimento Dialético.
II – Para a dialética não existe nada de definitivo…
III – O Processo.
Nada muda definitivamente, são mudanças que carregam sua permanências.
Há processo e retrocesso não há um permanente e inescapável e definitivo futuro descolado e linear.
2. A Ação Recíproca.
I – O encadeamento de processos
II – O desenvolvimento Histórico ou em espiral.
Não é mecânica, num sistema de encadeamentos lógicos. Todo progresso que vá em sentido a destruir a natureza, eliminará, limitará ou servirá para poucos. Segue portanto um sistema aberto de inter-relações não lineares e escapáveis ou não fatalistas.
3. A Contradição.
I As coisas se transformam na sua contraria.
II – afirmação, negação e negação da negação.
III – A unidade das Contrarias.

Há contradições e combinações, transformações e permanências. No germe de um coisa está contido o germe da outra em equilíbrio constante. Não há síntese pura ou tudo é síntese porosa.
4. Transformação da quantidade em qualidade.
I – A argumentação política
II – A argumentação cientifica

Lei baseada na física, aplicação muito parcial para as relações sociais no espaço e tempo. Dentro de cada quantidade de social há qualidades de social que agem, interagem e escapam de qualquer medida. No campo humano se pode ebulir em um grau de temperatura ou cinquenta graus ou a duzentos.


A impressão que se dá é que a dialética marxiana é mecanicista, determinista, fatalista e religiosa. Basta substituir a ideia de história pela palavra Jesus que o ato de pesquisa messiânico fica explicitado. Existe só um caminho, nesse caminho o tempo presente é prenhe do futuro inescapável e ele chegará a um ponto em que a sociedade será socialista e que a luta de classes findará junto com todas as contradições humanas.

Se formos marxistas, e se tudo muda, uma sociedade assim, após a ditadura ou governo do proletariado, será seu oposto ou será sua negação-antitética. Isso pode levar a dizer que não será capitalista nem socialista?

Brutalmente dizendo, há quem compre a força de trabalho e há quem a venda. Sendo todos donos de sua força de trabalho, não significa que não haverá contradições. Um sistema social desse tipo é o anarquismo, pois se cada um detém seu poder e sua força de trabalho, não deverá existir hierarquia, pois somos finalmente co-responsáveis por tudo e por todos donos de nossa força de trabalho. Não haverá desigualdade.

Não parece tão idílica essa compreensão.

O problema de todo o questionamento metodológico em ciências sociais é que elas acabam desembocado através da ciências naturais e seus métodos, no desejo ou na esperança de um tipo outro de sociedade. Enquanto nas ciências naturais é possível descobrir como funciona uma célula, um átomo ou a mecânica de solos, nas ciências humanas, todos esses métodos são primeiramente ideológicos e desejam chegar a um tipo de sociedade. Nelas há um sonho de um programa social que se estabeleça, então que, ainda que se apurem verdades sobre o ser humano e sobre a sociedade, sempre estará mais perto da fé e da religião do que alguma verdade de fato.

Um trabalhador reage à sua expropriação não por uma iluminação religiosa chamada “consciência de classe e histórica” pode ser isso e pode não ser isso que o move ou imobiliza. Nunca uma ação da classe trabalhadora partiu de um ápice de consciência de classe, senão, todas as conquistas gerariam mais consciência e mais rupturas. E o que ocorre é que a cada conquista há tanto mais imediato de acomodação de classe como a do indivíduo.
 
É dado ao termo classe unida jamais será vencida, mitificada essa união como única salvação dos oprimidos é ingênua, verdadeira como mentirosa, mas profundamente religiosa. Embora se reconheça que o ser humano só tenha chegado ao ponto que chegou pela cooperação em sociedade esse "irmãos dai as mãos" é reducionista e profético.

Feyerabend, em seu “Contra o método” não está sendo exatamente anarquista por recusar os métodos normais. Ele é metodólogo, mas não é anarquista. Só oferece a perspectiva de que se algo está sempre chegando a um mesmo resultado e que isso é insuficiente, que se mude o método. Intuitivo, regressivo, não contraditório, emocionalismo ou qualquer coisa que siga outro procedimento.

Não há nada num possível método anarquista que vá oferecer algo para as ciências naturais, salvo a destinação e objetivo desse conhecimento e seu uso contra ou a favor da sociedade. 

Do mesmo modo, a física quântica não é anarquista por dizer em uma de suas partes que algo é matéria ou energia segundo quem a observa. Isso seria igual dizer que não há história ou fatos, mas suas interpretações.

Ainda que haja muitas versões de nosso aparente presente e suas mil bifurcações, ainda assim, a perspectiva é humana e por isso uma variação de mesmices e do inesperado. Então, fazer ciência social a partir da física quântica é outra religião relativista. Tanto menos, não será um caleidoscópio metodológico um hipotético método anarquista.

Os pós-anarquistas são muito criticados por terem lido mal os anarquistas clássicos. No entanto, vieram com uma inquietação justa, há um método anarquista? Como o anarquismo responde ao estruturalismo, pós-estruturalismo, fenomenologia e à condição de pós-modernidade ou alta modernidade, seja lá o que é essa sociedade de fragmentos.

Em que um estudo anarquista tem a perder em adotar a abordagem histórica radical e dialética? Tempo de trabalho eu respondo. Perder o lastro de legitimação ancestral e mitificação do messias ou do iluminado “conteúdo histórico”. O espaço desigual é por si desigual e a sociedade desigual, formada historicamente ou não é a matriz constituída pelos que possuem e outros não. A reafirmação histórica da desigualdade não a torna mais transparente e por isso mais mutável.

O refinamento histórico, para alguns religiosos, também seu ganha pão, não é garantia nenhuma de aprender com erros para não repeti-los. Na prática isso apenas garantem rebuscado e profundos trabalhos históricos e só isso. Mudamos só o modo dos aristocratas e monarquistas de se auto afirmarem na hereditariedade do poder por suas riquezas, para no lugar colocar o trabalhador. Mas isso, efetivamente, não interessa a nenhum trabalhador.

O que muda mesmo é o desejo humano de corromper essa ordem de injustiça, em seu tempo, espaço e desejo, talvez, nem chegue a ser isso a tal de “tomada de consciência”. O imediato em si da injustiça e da falta é que faz a sociedade agir. E agir do seu modo e não do modo que se acha que eles devem agir.

Não existindo propriamente a necessidade de criar um método anarquista para as ciências sociais e naturais, pois a questão é menos de procedimento e de medidas, mas da finalidade da pesquisa, então, o que há a fazer com o anarquismo e ciência?

O anarquismo é por origem anti-hierarquia, anti-estatal/nacional, mutualista e qualquer esforço em pesquisa e político é para alcançar o mais amplo e qualitativo grau de felicidade humana. Por isso, um estudo pode seguir qualquer desse métodos científicos messiânicos. No entanto, perder essa ênfase de profecias das terras dos "benvirás!"

O anarquismo vai relativizar a luta de classes como um ser único e por isso com anseios únicos, vai deplorar qualquer estabelecimento ou fortalecimento do controle e buscará avaliar sempre em que grau esses estudos avançam na compreensão inescapável que somos seres sociais e por isso, que inerente à nossa consolidação cultural é o mutualismo como ética primordial entre os seres e as sociedades. Lembrando que, embora se use os métodos anarquistas em corporações, o anarquismo é anti-capitalista. Mas a empresa capitalista não se torna anarquista por utilizar o conceito de cêlulas de produção autônomas. O método em si não faz a coisa ser boazinha e comprometida com a sociedade.

Um método anarquista, ao se consolidar, pode não resultar nos anseios anarquistas. Tal como qualquer bobagem metodológica, pode, ao final, ter contribuição para o anarquismo. Há trabalhos positivistas tão sérios que são menos colaboracionistas do que trabalhos marxistas heróicos. Isso é irônico e e algo que eu jamais pensei ser possível.

Não há uma sociedade final objetiva, mas há uma imediata que tem que respeitar a vida humana e o meio ambiente e por isso mesmo, nenhuma cultura ou ambiente deve ser intocado em seus parâmetros que sejam contra a vida e contra o direito pessoal de ser.

Não há um acúmulo de consciência que em sua quantidade, em um determinado carregamento de baterias de consciência de "classe" se fará historicamente uma revolução qualitativa. Há regressos e o que talvez seja melhor a fazer é reduzir o peso e a força do retrocesso ou pior,  recuo ao mais anterior regresso, isso é mais necessário do que o avançar aos fragalhos da volúpia revolucionária que sucumba ao seu inseparável processo contra-revolucionário.

Ao fim, nunca teremos uma sociedade boazinha sem contradições e intacta, no que tange ao humano, nossa realidade é reduzir danos e ampliar benefícios. Isso talvez nos ajude a não depositar tanta religiosidade no método e nas explicações teóricas da sociedade.

Não existe qualquer determinante que diga que uma sociedade deverá ser de tal modo!

Espero não ter contribuído em nada!

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Onde começou a pedagogia anarquista em minha vida! E o porquê ela continua!

Prova sobre liberdade não prova nada!
    Em 2004 tive uma experiência em sala de aula que considero a mais significativa sobre meu pensamento a favor da pedagogia anarquista. Um relato aparentemente negativo de um estudante sobre uma aula de campo por nós realizada.

    Recentemente recebo uma postagem de uma prova de filosofia que me reforçou essa lembrança, embora não me seja possível confirmar a veracidade, serve bem ao debate e a anexarei no corpo deste texto que teve uma primeira versão e agora a renovo.

    Na formação de geógrafos e educadores em geografia o trabalho de campo é sempre colocado como peça chave. Rousseau, Tolstoi e tantos outros precursores da educação sugerem ir ao mundo real para aprender sobre a natureza física das coisas com os próprios sentidos. Kant leu Emílio, nessa obra de Rousseau se vê esse enlace pedagógico e teórico em seus escrito filosóficos kantianos. Mais tarde, anarquistas e mais tarde ainda alguns geógrafos marxistas no Brasil se preocupam com a pedagogia, didática e transformações em prol de uma sociedade mais justa, assim, juntando ao coro da importância da aula de campo, excursões, visitas de campo, aula externa e qualquer outra prática que tire os estudantes da sala e da escola para ver o mundo em sua dinâmica própria.

    Então, no mesmo ano de 2004 realizei aulas de campo no litoral de João Pessoal com estudantes do ensino médio. Essas aulas eram para brindar a amizade e a confiança já adquirida e conquistar outros mais reticentes. Depois pedi a todos que fizessem um relatório expedito, nada discursivo que apenas relatasse o que viram.

    Foi uma experiência bem sucedida e consegui chegar a um resultado bem satisfatório, salvo um relato do estudante Y que mostrou outro sentido do que pedi e que após ler, tive discussões em minha casa, perdi uma noite de sono e fiquei no dilema entre dar uma boa avaliação ou anular o valor desse relato.

    Passei muitos anos buscando esse relato entre minhas coisas e já tinha dado como perdido, até que 9 anos após, revendo antigas correspondências, me deparo com esse importante documento de minha formação.

    Agora reproduzo esse relato e finalizarei com o que eu aprendi disso e por qual razão esse conteúdo é uma marco simples, porém, de muita valia para o que fui desenvolvendo depois.

Relato do estudante Y:
Pouco sei falar da aula de campo de geografia que ocorreu no último sábado, eu quase desisti de ir devido à minha rotineira preguiça, de madrugada tomei banho de lâminas cortantes e quando fui para a parada de ônibus mal notei que perdi um ônibus que passava bem ao alcance de meus olhos. Mas incrivelmente consegui chegar lá, eu me deparei com a minha turma desunida que finge ser “legal”, mas que REALMENTE não é! Cumprimentei alguns amigos que eu não tenho e tentei entrar no jogo dissimulado do 2° ano , sim, por que não? Porque eu não poderia deixar de ser o estranho da sala? Eu estava em uma praia que nunca havia ido, e (era sábado). Quando descemos para a areia o professor falou de umas pedras; o que pode ter de interessante em pedras? Eu tentei escutá-lo, na verdade eu até escutei, mas sinceramente não lembro de quase nada do que ele disse, talvez porque eu não achei interessante, por que as pedras não eram tão “adoráveis” como as pessoas da sala?

O meu objetivo continuava de pé, apesar de andar, andar, andar... E o sol então? Deus seria quase perfeito se eu não existisse o dia! Mas, mesmo com todos os problemas, eu tentei ser simpático, como na verdade eu sempre tento, acho agora que sou o mais dissimulado daquela turma! Não quero me apegar aos detalhes que não existem sobre este ignóbil passeio!

Também não falarei das pedras, nem sobre as falésias vivas ou mortas, nem das moribundas. Pois na verdade, nada sei sobre tudo, e nem consigo fazer uma relação normal, assim como fazem todas as pessoas!

O que me lembro é que fiz duas coisas inéditas, talvez disso eu não me esqueça: dancei forró (um ritmo nojento) pela primeira vez, não que isto seja motivo de orgulho, mas foi algo inédito para mim; era engraçado os aborígenes da praia lavando roupas num rio fétido (rio peruca, eu acho!), com pessoas apontado-as como se fosse algo muito distante de nossa realidade; também fiz outra coisa surpreendente, tirei uma foto com a turma que eu não faço parte (eu odeio ser fotografado!).

Mas, por que eu não dormi naquele dia? O que me levou a ir para esta simples aula de campo? Nada? Pois na verdade eu não fui, eu continuei dormindo para que eu perdesse meu tempo fazendo relatório completamente sem nexo! E sabe o que disseram as pessoas da sala num só coro com belíssimos sorrisos: - Nos adoramos a aula de campo!
    Quando me deparei e li esse relato eu desmontei de tristeza e de raiva. Trabalhei um dia sem remuneração, vi todos felizes e por qual razão um jovem perderia tempo de fazer um testemunho de si, dos outros e de minha prática tão negativos?

    Demorei bastante a perceber que ele me deu uma prova maior de confiança, afinal, por que se auto denunciar? Hoje relendo, percebi que ele aprendeu muito mais do que eu imaginei. Na época tasquei-lhe a nota máxima. O espanto do estudante Y quando viu isso foi engraçado! Ele realmente queria se ferrar! Coisa de jovem suicida!

    Sofri para entender o negativismo e a apresentação de falta de sentido que a aula de campo teve. Mas na época eu entendi que a melhor coisa que uma estudante pode oferecer a um professor é a confiança de que suas palavras serão respeitadas. Também, que não há uma prática pedagógica que seja boa para todos.

    Hoje, com os parâmetros da pedagogia anarquista, compreendo que o ensino formal, unificado, de massa, obrigatório e autoritário faz muito mal às pessoas. Alguns conseguem falar do mal estar que sentem, outros não se demonstram perturbados e sobrevivem.

    Esse relato ranzinza foi um dos primeiros eventos que me deram a partida para sair da proposta marxista na pedagogia em seu cunho reducionista, autoritário e diretivista.

    Nesses dias deparo com algo que me pareceu muito interessante. A publicação de uma prova de filosofia perguntado o que era liberdade, da qual não posso afirmar ser verídica, mas aceitá-la como tal não fugirá da experiências e desejo de muitas pessoas que passaram por situações semelhantes:

  

Diferentemente do modo como conclui esse caso, parece que o professor não teve, ao menos nesse registro, a mesma decisão.

Entretanto esse estudante foi dialético, irônico, desafiador, existencialista, crítico e como sempre, parece, que foi avaliado negativamente.

Assim, ainda que se fale de inteligência, criticidade e criatividade, assaz, a escola formal é contraditória e não busca promover e de fato lutar pela inteligência e criatividade dos estudantes, mas de lhes tentar forjar o quietismo.

Este texto foi escrito e creio que por muitos anos ainda poderei trazer registros dessa ousadia criativa que diz-se que os jovens não possuem nos dias atuais.



quinta-feira, 24 de abril de 2014

Leitura anarquista sobre o livro de Terry Eagleton. A ideia de Cultura.



Eagleton traz uma abordagem que tem mexido bastante com minhas reflexões sobre cultura. Nesses tempos que participei de um projeto de Ponto de Cultura e como artista de rua/ minha atuação em bairros e locais de classe trabalhadora de baixa renda e/ou pobre pude ler esse livro à luz dessa experiência. 

Aqui tentarei unir o conceito de cultura trabalhado por Eagleton, a Geografia e ao Anarquismo. Eu mesmo tento compreender em que momento as nossas práticas de fazer e participar de políticas públicas significa algo contra o autoritarismo ou se é mais uma colaboração com a opressão.

Eagleton começa por destrinchar definições ou versões do que seja cultura. O que sempre é um trabalho árduo e sempre polêmico. Vale ressaltar que em geografia estudamos cultura como sendo tudo que tenha sido produzido pelas mãos humanas, artificial, próteses técnicas e científicas ou tudo que se oponha ao natural ou realizado pelas forças da natureza.

Tal como Eagleton coloca em alguns momentos, para a geografia o sentido de cultura foi a que pautou o processo colonialista e  ocupacionista,  e mais tarde no sentido antropológico de que cada povo possui uma cultura.

No entanto, a palavra cultura tem sua origem em coisas materiais, tal como uma lavoura. O conteúdo da palavra cultura não se desligava da materialidade ou do cultivar uma planta. Era a dialética entre o determinismo natural e o possibilismo das ações humanas, quer dizer, a natureza não nos determina, mas o idealismo não nos liberta da condição natural.

O conteúdo imaterial da palavra cultura foi assumindo um lugar de construção moral em favor de uma palavra que virou seu sinônimo ou melhor dizendo – civilização.

Eagleton explora bastante esse sentido de civilização, afinal, antes a cultura só se realizaria no âmbito rural e é na polis que será o berço da cultura. Acho exagerado, mas devo aceitar parcialmente essa ideia.

O sentido de cultura passa a ter outro significado que antecede o político. Cultura do ser humano que o habilita a viver na polis e não o inverso. Assim, o ser culto é sinônimo de ser civilizado. Este mesmo conteúdo vai justificar a colonização de outros povos. O ser civilizado é superior ao incivilizado.

Ser civilizado ou culto é ter progredido intelectualmente, espiritualmente e materialmente: “Ser civilizado inclui que não cuspirá no tapete assim como não decapitará seus prisioneiros de guerra. (EAGLETON, p. 19, 2001).

Aqui é importante ressaltar que para o autor a cultura precede a política, mas depois que se consolida o Estado a sua estrutura é ele que vai determinar o que é cultura. Fica aqui um lembrete sobre a repugnância que os anarquistas possuem por qualquer estrutura hierárquica e principalmente o Estado. A delimitação cultural que é necessária para a sociedade se organizar de forma civil é invertida e o Estado assume um determinante cultural que exacerbado acaba se tornando a gênese do nacionalismo ou patriotismo. Afinal, “a minha cultura” me distingue e me faz superior.

Eagleton até afirma que a palavra cultura passa a ser o mesmo que colonialismo. Por tanto, para esse autor, ao falarmos Colonialismo Cultural estaríamos sendo redundantes ou tautológicos.

Cito agora a geografia, pois sua história perpassa por essas discussões. A compreensão dos geógrafos anarquistas que se opunham ao colonialismo, inclusive se colocavam contra um pensamento de que as condições ambientais e naturais condicionavam as sociedades progredir e outras não. Um clima temperado, gera povos inteligentes e progressistas e um clima quente gera povos indolentes e atrasados. Isso é conhecido como determinismo geográfico.

Os anarquistas e mais tardiamente os marxistas se antepuseram a qualquer explicação que delimitasse o progresso de um povo em relação ao meio, negando completamente a máxima de que o homem é produto do meio. Esse tipo de pensamento não desapareceu completamente, e em alguns casos, com a globalização ele até mesmo se renovou.

Surgiu depois uma corrente de pensamento na geografia chamado possibilismo. Esta tocava ao expansionismo colonialista francês, que afirmava que a sociedade tinha condição através de sua cultura alterar as condições naturais, fosse quais fossem as barreiras naturais. O homem se adapta ao meio.

A cultura que carrega uma pessoa pode alterar os entraves naturais. Note-se, determinismo e possibilismo, ambos partem de princípios que desembocarão em um tipo de colonização. Assim, existe uma cultura superior – a europeia – por isso ela tem o papel de civilizar o mundo.

Os anarquistas e alguns geógrafos nunca aceitaram esses princípios por essa razão. Por delinear que um povo merece existir mais que outro por carregar uma cultura, superior, mais elaborada, mais civilizada, mais rebuscada e que gerava mais progresso.

A palavra civilização serviria ao mesmo tempo para se descrever e também normatizar o que ela é mesmo. Depois o autor descreve que o caráter normativo e descritivo (o que é e o que deve ser algo civilizado) contido na palavra civilização se separam.

Culto ou culta, como sinônimo de polidx ou refinadx que delimitava a classe média europeia modifica-se, pois ninguém pode ser cultx sozinhx, logo, só se é cultx em sociedade e, só existe a sociedade por uma base de homens e mulheres cultxs. Embora que, para ser cultx, não bastava viver em sociedade, mas ter certas condições sociais para se-lo. Este ponto entra o Estado e seu papel.

Nesse dado momento Eagleton alerta que o significado de cultura passa a ter um caráter crítico e não apenas descritivo ou que normatiza o que é ser culto. Ser cultx não é um valor em si, já que passou a significar o mesmo que imperialismo. Ser cultx era ser ocidental, europeu, aristocrata e colonizador o que afasta todo o sentido de ser alguém cordial, polidx e dadx a comportamentos refinados moralmente, intelectualmente e materialmente. Vejamos:

A civilização era abstrata, alienada, fragmentada, mecanicista, utilitária, escrava de uma crença obtusa no progresso material; a cultura era holística, orgânica, sensível, autotélica, recordável. O conflito entre cultura e civilização, assim, fazia parte de uma intensa querela entre tradição e modernidade. Mas também era, até certo ponto, uma guerra fingida (EAGLETON, P. 23, 2011).

Uma guerra fingida entre Civilização que pertencia à burguesia e cultura pertencente à aristocracia e ao populismo. Qualquer um que se antepusesse aos valores aristocráticos seria um bárbaro e somente com acesso à cultura eles deixariam de ser rebeldes.

Posteriormente, segundo Eagleton, essa lógica imperialista e eurocêntrica colonialista de ser culto no século XX se inverterá “os selvagens agora são os cultos, mas os civilizados, não. Então, a denominação de povos incultos colonizados e povos cultos, os colonizadores receberá numa perspectiva crítica da cultura uma inversão. Dai surge o sentido antropológico de cultura. Cada povo possui uma cultura e que não há uma escala hierárquica para definir povos em detrimento de outros. A civilização Inca ou aborígene qualquer é uma tem valor em si e não comparativo aos países imperialistas.

O conceito de pluralidade cultural passa a figurar dentro de uma crítica anti-capitalista, mas sem por um lado afirmar que tudo é cultura e qualquer valor é cultural, para Eagleton pode-se incorrer na dificuldade de aceitar que a “cultura das cantinas de delegacias”; “sexual psicopata”, “máfia” podem ser equiparáveis à cultura boliviana ou Inca. O pluralismo cultural, para esse autor, pode cair num campo tão generoso e ingênuo que relativizaria e nivelaria tudo como sendo o direito e o fato plural da cultura:

Historicamente falando, existiu uma rica diversidade de culturas de tortura, mas mesmo pluralistas sinceros relutariam em sancionar isso como mais uma instância da colorida tapeçaria da experiência humana. Os que consideram a pluralidade como um valor em si mesmo são formalistas puros e, obviamente, não perceberam a espantosamente imaginativa variedade de formas que , por exemplo, pode assumir o racismo. (EAGLETON, p.28, 2011).

Esse conteúdo de pluralidade é notoriamente mais evidente na pós-modernidade e traz à tona o sentido de identidade, logo de pureza, quando o conteúdo da existência de culturas não é puro, mas interligado e envolvidas por outras, sem isolamento. Então, até um certo ponto o discurso e defesa identitária cultural não parece algo que se possa tratar ingenuamente e somente benigna.

Se a primeira variante importante da palavra “cultura” é a crítica anticapitalista e a segunda um estreitamento e concomitantemente, uma pluralização a um modo de vida total, a terceira é a sua gradual especialização às artes. Mesmo aqui o significado da palavra pode ser restringido ou expandido, já que cultura nesse sentido, pode incluir atividade intelectual em geral (Ciência, Filosofia, Erudição, etc.), ou ser ainda mais limitada a atividades supostamente“imaginativas”, como a Música, a Pintura e a Literatura. Pessoas cultas são pessoas que tem cultura nesse sentido. (EAGLETON, p. 29, 2011).

A cultura como sentido de erudição, por tanto, destinada ao poucos, segundo esse autor contém ao mesmo tempo a ideia intensificada e empobrecida para cultura. Terá que ser refinado ou “erudito” e por assim dizer intenso, mas como é um sentido para poucos e delimitado à erudição é pobre. E é dessa forma que se permeia o conteúdo da palavra cultura.

Uma pessoa é culta por saber viver em sociedade, por ser versado nas artes e razoável. Não aceitará a tortura e nem a barbaridade, por conseguinte, aceita a pluralidade e a identidade. E estar comprometido com alguma posição é ser inculto. Ser razoável é aceitar ser moldável, persuadido ou disposto a concessões e ligado aos sentimentos e não a paixões e ser dado a convicções apaixonadas é ser “irracional” a classe média tem boas maneiras e as massas são iradas. (EAGLETON, p. 32, 2011). Isso levará a ter que aceitarmos que o racismo é fator plural, logo racional e desapaixonado e uma identidade plausível e ser contra isso é não ser plural.

Mas esse sentido faz a arte ser bajulada por ser seu propósito o despropósito, somente com a crítica e que o sentido de cultura sai dessa nuvem auto deleitante para começar a ter uma papel no que concerne à justiça social. Assumir o despropósito da arte é tão político quanto lhe colocar um valor de associação à justiça social e obviamente, não ser neutra.

Para o mesmo autor, cultura no sentido de civilizar fracassou, ela não se restringe a erudição artística individual, nem em seu sentido de convívio social e sociabilidade e ainda é algo tão parcial que não tem nada a dizer ou o que diz nada serve:

O que é que liga cultura como crítica utópica, cultura como modo de vida e cultura como criação artística? A resposta é certamente uma resposta negativa: todas as três são, de diferentes maneiras, reações ao fracasso da cultura como civilização real- como grande narrativa do auto-desenvolvimento humano. (EAGLETON, P.35, 2011).

Deste ponto, sem esgotar o que Eagleton continuará a formular nessa obra, trago nesse momento algumas reflexões mais diretas ao que nos move a fazer políticas públicas culturais ou ações culturais mais engajadas nas populações sem acesso.

Desde que li essa obra me faço perguntas ainda pouco elaboradas mas que são pontos de partida associados aos trabalhos que realizei em cultura, a saber:
  • Nossa motivação para levar cultura para as populações sem acesso é uma evangelização através da cultura como crítica social? Por ser crítica, deixa de ser uma catequização?
  • Nosso esforço para levar cultura nesses espaços abertos e de baixa renda é para melhorar o convívio social, logo, meramente civilizatória? De partida eles são brutos?
  • Ao levar cultura me preocupo e fazer cidadãos cordatos e razoáveis que aceitam a pluralidade ingênua? O ser razoável é razoável?
  • Enfim, levar cultura para uma dada localidade é uma colonização dissimulada e autoritária, embora travestida de boas intenções?

Como anarquista e que busca ser anti-autoritário o que é que legitima nossos projetos culturais serem levados para comunidades sem acesso ou acesso planejado pelo Estado e corporações?

Chego atualmente a fazer um mea culpa. Assim compreendo nesse momento que ao fim e ao cabo, nossa ação e opção pelas populações mais fragilizadas ou sem acesso à cultura é autoritário. E de certo modo, acreditamos que essas pessoas merecem o acesso à cultura para fazer revolução ou transformação social ou para pararem de serem tão bárbaras se estapeando a dirigindo impropérios nas delegacias, parar de dar tiros em combates de transito e bares, parar de espancar esposas, filhos e outros vulneráveis, parar de servir ao Estado e ao mesmo tempo ser polido no transporte coletivo.

Isso que digo deve ofender as pessoas que trabalham com arte-educação, arte-social e toda essa parafernalha que usa os bens culturais com intuito de fortalecer a dignidade humana seduzidas pelas artes. Optar por um ser humano frágil ou fragilizado, um ideia muito cristã, pior que isso, uma admiração que ao fundo é um rejeição a essas pessoas.

Se não considerarmos essas pessoas como elos fortes, nossa aparente generosidade não passa de uma vaidade. A opção pelos pobres é uma da corruptelas da vaidade. Tanto que algumas pessoas boas, passam até viver de projetos que tem como objetivo trabalhar para pessoas em vulnerabilidade e passam a viver disso. Lutar contra a pobreza, paliativo para ela e solução para meu sustento. E não há saída, ou fazemos isso ou a lógica de dominação nos atropela a todos.

Chego a alguns alertas para pensar e que me acompanham desde que vi que essas experiências foram sendo realizadas, cito-as:
a) levar cultura ou fazer ações culturais tem sido um argumento do movimento de ocupações culturais e de projetos de cultura para melhorar o convívio social, portanto, educar para ser civilizado. Isso é autoritário e presunçoso e nos coloca como mártires.
b) se eu não gosto, não aceito, me rebelo e me defendo de qualquer tipo de cardápio cultural imposto, por qual razão devo impor meu cardápio cultural aos outros. Que direito tenho eu de fazer a democratização da cultura e criar um programa cultural em meu gabinete. Se eu encontro e permanentemente busco meu senso crítico sobre a cultura, quando digo que esse público a ser formado, precisa ser crítico, isso é autoritário. Nego ao outro aquilo que me defendo. Dizer o que uma pessoa deve pensar é o que o Estado e as corporações fazem não me difere deles se eu dizer o que ela deve pensar, mesmo que dissimuladamente através da arte.

Se me nego a civilizar e a fazer das pessoas, algo que se caracteriza “polídas” o que resta de ético ou de anarquista ou de e anti-autoritário a fazer?

Aqui eu creio que cabe o meu desejo e o meu sentido. Quando vamos as esses lugares e chegamos a essas pessoas através de um projeto, em espaço aberto, embora minhas motivações sejam autoritárias, as pessoas podem permanecer ou sair. Ninguém é obrigado a permanecer.

Não posso me trair que sou totalmente contra à cultura da violência, já que ela quebra um direito inalienável à vida e a bem vivê-la. Não posso admitir que a força econômica, política e intelectual retórica possam ser armas contra as pessoas que não sabem sequer que devem e podem se defender.

No entanto, sentir mártires, messiânicos da cultura, civilizadores e achar que isso é melhor do que os outros mecanismos sociais é absurdo narcisista, ainda que a cultura seja essa relação comunicacional complexa em forma e conteúdo o jesuitismo disso não é uma boa companhia ética.

Tal como não é a educação que muda as relações de injustiça, a cultura tem apenas papel adicional e não retumbante e determinante de uma sociedade que amplie os direitos e a felicidade. A mesma crítica vai para a ciência. Por isso que Eagleton nos alerta que o Estado que surge com a cultura, passa a ser provedor e delimitador dela, mais piormente, quando acochambra os interesses do mercado nisso. O Estado, sabidamente, não é nada mais que um acochambramento entre o povo e o mercado. O Estado é ele mesmo, dizendo que nos representa! Funciona bem!

Nos sobra que a mudança social precede nossos esforços culturais. São movimentos concomitantes, mas a sociedade é o passo primeiro.

São opções que não devem ser tomadas ingenuamente. Ser mais conscientes dessas opções é um passo fundamental. Para retirar definitivamente esse caráter religioso disfarçado atrás das motivações das pessoas “boas”.

Não sei se a revolução é necessária! Se de um tapa que mude tudo ou bem lenta e processual! Afinal, não sei se uma revolução fará o que penso que deveria ser, já que ela é feita por todxs!?!

Não sei se quando levo uma ação cultural que não é autóctone, que é exógena e diferente estou dissimulando meus interesses autoritários e civilizatórios?!?

Quando levamos um projeto externo e diferente do que acolhem essas pessoas em suas comunidades, reclamo que elas preferem a cultura autoritária da mídia industrial, isso é uma bobagem.

Não podemos ser neutros, fazemos e levamos aquilo que acreditamos vão provocar comunicação. Somos em parte autoritários sim, alguns mais que outros, outros menos invasivos e tantos outros fascista puritanos.

Devemos fazer aquilo que conseguimos acreditar que defende a vida social e individual, não há entre seres humanos nada mais verdadeiro do que a alteridade, pois sem ela, não sabemos quem somos. Levamos para as pessoas e lugares nossas contradições e nossos desejos imperfeitos. Há muitas vezes que olhamos o passado e até percebemos que fizemos algo equivocado.

Quando estamos acreditando na acessibilidade, seja de música clássica ou de funk, estamos sim num intento colonizador de consciências isso é inegável, detestável, reprovável, mas é intento de alteridade. Calar-me sobre o que eu tenho ou possuo ou desfruto é tão autoritário quanto impô-lo.

Portanto, não somos bonzinhos! Até agora o que está provado é que o homem culto não deixa de ser bárbaro e o homem bárbaro não deixa de ser culto. Esta idealização populista aristocrática nos investe sentimentos toscos. É que explica uma pessoa rica, sofisticada e instalada numa cobertura de alto luxo comprar um CD de um grupo de cavalo marinho ou ir num escola de samba. Ou intelctualoides romantizar a vida da boémia e dos bares pés sujos. Heranças de um entendimento cultural de mitificar os pobres. E no final, suas empresas escorcham seus trabalhadores e os idealistas fingem-se pobres por beber cachaça de baixa qualidade na Dineylândia da pobreza!

A autonomia cultural, esforço pessoal, dialético e contraditório que só se realiza efetivamente em sociedade. Aqui o anarquismo grassa, ser nós mesmo, significa ser alerta, ter atenção em busca de autonomia em reflexão e ação em mutualidade. O apoio mútuo, nos protege um pouquinho de nossos autoritarismos. Ser críticos desse populismo e do fetiche da boa pobreza culta!

Estas reflexões estão em construção, são cruas, imediatas e nada reconfortantes, mas estão em movimento. Ainda que alertando sobre isso, sei que essas palavras mais se insurgirão contra meus torpes desejos do que ampará-los. Ainda bem!

sábado, 19 de abril de 2014

Geografia em débito com o anarquismo!

Os geógrafos dão de braços mais fortemente agarrados aos pressupostos marxistas.

Nesses tempos que o assunto da territorialização e desterritorialiação graça os militantes e teóricos do espaço, apagam da história a máxima de Proudhon:

Toda propriedade é um roubo!

A ênfase de Kropotkin e outros de que ideia de nação e patriotismo tal como se dá na formulação de pertencimento já questionava e criticava esse fenômeno que de natural nada tinha, mas essencialmente político.

Essa injustiça ou trapaça, para o tão metodologicamente radicais, passa como uma religião e cheia de fé que é o anarquismo para os marxistas superficiais.

É importante que a reflexão anarquista seja destacada e na sua visão atual, mais do que nunca.

Revanchismo, revisionismo militante....reconhecimento?

Não! Apenas para que se coloque suspeitas sobre algumas afirmações que são tornam camisa de força para pensar o socialismo possível hoje.





terça-feira, 15 de abril de 2014

Divórcio de mim mesmo!


Depois desses anos de convívio comigo percebi que tudo se acabou, peço divórcio de mim formal e irrevogavelmente. 

Quero com separação de corpos e de bens. Em decorrência do trabalho escravo ou similar, Também entrarei na Justiça do Trabalho contra mim e toda auto expropriação do meu trabalho que me impede ter os direitos trabalhistas mínimos. 

Também, como patrão de mim mesmo, entrarei com um cancelamento de contrato por justa causa por ter sido relapso em todas as minhas responsabilidades contratuais e de acordo coletivos que rompi. 

Não bastando, entrarei ainda na Justiça Eleitoral cassando meu título de eleitor tal ele tem sido utilizado indiscriminadamente por votar ou me abster de fazê-lo. 

Solicitarei ao Ministério da Educação para anular completamente meu diploma de professor, já que esses anos todinhos eu menti em todos os procedimentos pedagógicos e didáticos em que me meti. 

Nessa leva de desautorizações eu pedirei que recolham minha permissão de conduzir, já que sou um boçal na direção.

Não tendo nenhum lugar capaz de me julgar em fórum desprivilegiado, recorrerei ao supremo, pois neste caso, sendo ateu, não tenho qualquer direito de recorrer às justiça divina. Por isso tem que ser um justiça suprema que elimine qualquer possibilidade de que eu aja por mim mesmo. 

Exijo o direito de eu não ser eu! Até que a vida me separe!

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Anarquismo e Valeska Popozuda: aprofundando a questão



A questão de prova que citava a Valeska Popozuda como pensadora contemporânea, embora não pareça, tem a genese na filosofia e por isso, no anarquismo e outras correntes de pensamento.

 Dentro do anarquismo, em todas as épocas, sempre fomos pela educação e pela comunicação. Em todos os lugares a militância anarquista esteve associada com a comunicação das ideias e habilitação das pessoas a ler e compreender a sociedade. A famosa “leitura da sociedade” de Paulo Freire.

Em tempo, aglomeraram contra ela o sentido de pensar e ser pensador só para os que se dizem refletir mais extenuadamente que outros. Mas isso é um exagero, uma apropriação indevida e criminosa. Primeiro por se estabelecer que alguns são pensadores e outros não. A qualidade do pensamento não está contida na quantidade de reflexão. O pensamento, tal como a inteligência pode ser produzido em estalos ou por muito laborioso trabalho. E num caso ou no outro, alguns pensadores mentem tanto ser um estalo, quanto ser laborioso. Pensadores são bons mentirosos.

No caso da Popozuda, a questão que prevalece é o preconceito. Afinal, ela não pode ter a alcunha de pensadora por que? Por que não atende ao que se denomina superior pensamento? Por que propõe o superficial e efêmero?

A autoaprendizagem, a autonomia intelectual e o desejo de pensar não é um atributo maior em Einstein do que o dela. E de tantos criadores da Bomba Atômica que não ficaram tão felizes com seu uso. Pensamento maior e menor, não é um problema da Popozuda, mas na verdade contra todos nós que não temos evidência política, intelectual e midiática para colocar nossas ideias.

Pior do que condenar Popozuda como não alta e auto pensante atual é o mesmo que fazem com todos nós dissimuladamente, mas igualmente preconceituosamente.

Quem a denominou por essa alcunha foi justo. Contundente e questionador de toda a bobagem que somos obrigados a ouvir como notável, mas não é! E talvez nunca seja!

Ainda bem que os críticos alarmistas e histéricos conservadores estão mostrando suas garras contra ela, que embora não não pareça ter qualquer identidade com o pensamento de mudança da correlação de forças sociais injustas, é caçada e cassada no direito de ser considerada uma pensadora contemporânea, pois nós também somos fuzilados no mesmo paredão.

Quem julga o que é ou não um pensador contemporâneo?