Considerações
ao livro de Colin Ward "The child in the City."
Criança
eu me enraivecia com mocinhas de filmes, sempre caindo, errando, deixando se irem
qual criancinhas tolas para as mãos dos vilões... atrapalhavam os mocinhos.... desejava
que não tivessem filmes com aquelas chatas e tapadas.... se eu fosse
representado como entrave... o que eu sentiria!? (autor)
Colin Ward
escreveu muitos livros de cunho anarquista sobre o espaço e a educação. Uma de
suas obras importante para visitarmos é “The child in the City” "A criança na cidade". Os geógrafos
são sempre acometidos de grandes temas, nem sempre a educação ocupa esse
panteão. Não, não são os geógrafos mais machistas que os demais cientistas. Nem as
ciências moles são menos que a duras.
Eu sempre procuro entender por
que a educação espacial das mulheres também é um componente da formação machista,
junto com a divisão social do trabalho e até a obliteração da descoberta
esqueleto motora dos bebês (Emmi Pikler 1902-1984)
[i]
com maior prejuízo para as meninas que se juntam ao rol do currículo social prematuro
do lugar que a mulher é empurrada estar.
Ward foi mais
longe num dos capítulos de seu livro “The girl in the background” que prefiro
traduzir como “A menina em segundo plano”
e discorre como as meninas, as jovens e as mulheres estão em segundo plano e
são vitimas de um silêncio em tudo a que se refere a educação, uso do espaço,
literatura, rituais de autodescoberta e que tais silêncios só são quebrados na
cabeça masculina quando as mulheres sem encontram em problemas.
O autor reitera
que quando se pensa em cidade é comum a invisibilidade das mulheres, isso,
mesmo sendo um escrito antigo e de outra sociedade pode ser percebido ainda
hoje no Brasil, ou seja, persiste! Ward extrai um discurso de Eileen Byrne
[ii]
da Comissão Britânica de Igualdade de Oportunidades proferido no início da
década de 1980, aqui traduzido:
Eu sou céptica
quando chegam com esse discurso das aclamadas diferenças inatas entre meninos e
meninas. Eu creio que 98% disso decorre do condicionamento social. Talvez eu
esteja enganada, mas muito dessas diferenças de suas destrezas verbais e
espaciais advém do fato que seus professores reforçam isso. (WARD, 1978, 1990,
p. 131).
Ward
segue dizendo que muito da educação dos garotos para explorarem a extensão
espacial seria de bom senso oferecer às garotas e também acabar com essa coisa
de jogos de meninos (físicos e amplos) e de meninas (contemplativos e
meticulosos). E de certo modo a preocupação apontada não é com a qualidade de
aprendizado espacial, mas muito mais a que se refere à quantidade dessas experiências
espaciais para as meninas.
Na
época desses escritos Ward também se preocupava com crianças que vinham de
outras culturas e que as restrições religiosas e culturais eram severamente impostas
às meninas na exploração e experiências espaciais que iam muito além das observadas
com as nativas da Inglaterra. Hoje estaríamos deparando com problemas da escola
sem partido e contra a educação de igualdade de gêneros quais refutam ações com
meninas e meninos segundo suas religiões.
Outros
dados trazidos por Ward afirmam que as meninas e meninos entre 8 e 11 anos já
trabalham em atividades domesticas numa proporção de 8 minutos para elas e 5
para eles, ou seja 3 minutos a mais para elas e quanto mais avança a idade
maior é o tempo gasto por elas em trabalhos domésticos do que para os meninos.
Por fim, as mulheres adultas se constrangem nas ruas por uma reminiscência de
seu passado infantil de cerceamentos de exercer sua territorialização. E podemos
adicionar para o Brasil escravocrata e machista que agudizam a
desterritorialização da mulher que não somente tem restrições espaciais como de
tempo. A mulher não pode estar onde quer, como quer, quando quer sem se precaver
das ameaças concretas à sua liberdade e integridade emocional, moral e física.
Na
Inglaterra há algumas restrições a cercear as mulheres em locais públicos sendo
passível de processo e penalidades o ato de “to scare someone” à grossa
tradução seria: “fuzilar com os olhos uma mulher” ou “criar desconforto pelo
olhar fixo”.
Na
escola, no trabalho, nas ruas, nos locais de frequência social pública ou
privada a mulher tem a castração espacial e sua desterritorialização
sistematicamente empurrada ou determinando como e o que ela deve fazer, mas não
o que ela deseja.
Se vc mulher
estiver numa rua deserta e vc ouvir passos vindos de trás, vc prefere que seja
um homem ou o diabo?
Triste
saber que a resposta é óbvia!
Claro
que esses saberes as mulheres já os possuem de longa data, por serem vítimas
constantes. Há feminismos diversos que tentam dar conta dessas imposições e nos
últimos tempos está bem longe sentir-me o mais habilitado e legitimado a tratar
dessas coisas. Poderia estender a espacialidade castradora dos negros, outras
minorias, suas exclusões e desterritorializações, mas creio que é na misoginia
espacial que muitas questões podem começar e provocar a dessexualização do
espaço que tem muito mais a contribuir com a luta por dignidade e respeito às
mulheres que se imagina.
A
cidade para Ward é inadequada para as crianças aprenderem, é hostil, limitante
e sem adaptação e que uma cidade educativa deve ter alto teor de acessibilidade,
mas ele nos traz para uma realidade brutal no que tange às meninas que precisam
de estímulos concretos que favoreçam isso na construção dessa urbanidade ruralidade
também anti-sexista!
Em sua conclusão, Ward não acredita que a educação para a igualdade em si é um avanço para as mulheres, pois muitas veze o que prevalece é uma paridade na agressividade que as meninas adquirem com os meninos. Sendo o triunfo da agressividade masculina e não a liberdade das mulheres. Completa que a liberdade das mulheres da passividade e da docilidade implicaria em também na liberação dos meninos da pressão de ser um predador.
Ultimamente,
para não ser confundido com o diabo... o que devemos fazer e nos auto-desterritorializar
e respeitar a zona de segurança e trânsito das mulheres.
Queridos
amigos homens... mudem de calçada!
[i] Emmi Pikler (1902-1984) cujo seus alertas preconizam que o
adulto tem a tarefa de criar uma relação de confiança e interação com o bebê
durante os principais cuidados (banho, troca de fraldas, alimentação). Outra
inquietação é que o espaço deverá ser organizado para que o bebê possa se
movimentar com mais liberdade desde muito cedo, defendendo isso proporcionar
maior autonomia (a criança conquista cada posição por si mesma na medida em que
é capaz de manter sua postura) e melhor desenvolvimento motor.
[ii] Professora de Educação (estudos
Políticos) da Universidade de Queensland, Austrália. Foi Deputada Chefe do da
Educação da Inglaterra e primeira Responsável pelo Escritório da Comissão de
Igualdade de Oportunidades Britânico e
por três anos consultora da UNESCO sobre igualdade entre sexos e treinamento educação vocacional de de jovens.