domingo, 23 de março de 2014

Castellers da Cataluña uma experiência de ego explodido: anarquismo e mutualidade!


Formação da base do Castelo
Em 2008 tive a oportunidade de conhecer uma manifestação cultural da Cataluña na pequena vila de Esparraguera. As famílias se reuniam para montar castelos humanos “Castellers”. Eu não sabia bem o que eu ia ver.  De repente aquelas pessoas começaram a se organizar de modo peculiar.

Eu via que logicamente iam subindo de três em três uns sobre os outros. Diante dos meus olhos foi surgiu um andar, depois outro composto por homens, nem mais fortes nem mais gordos. Um técnico e outros assessoravam quem entrava onde. Cada pessoa tinha um lugar específico para entrar, fosse qual fosse sua estrutura física ou idade. Na base os observadores eram postos em lugares de apoio e se apertando para a base não abrir.

Nos andares subsequentes iam mulheres, depois os adolescentes, as crianças até que no topo subiam duas crianças de não mais de 5 anos, que levantavam a mão como que batendo um sino. Depois desse gesto, ocorria a desmontagem, mais perigosas, pois as crianças e filhos daqueles todos ali podiam cair e se machucarem.
Criança batendo a sineta

Sei apenas que quando via aquele castelo humano montado fui tomado de imensa emoção e meus olhos marejaram. Havia um sentido em si, total, completo, bom, não sei dizer, mas fazia muito sentido de tudo que estava especulando ser uma sociedade e uma possível relação humana.

Três Agurreros "Agulhas"


Os bicudos como eu figurava éramos chamados para fazer parte da base.  Não tive dúvida quando me chamaram a ser prensado entre ombros. Até o modo de se colocar era importante para que no caso houvesse uma queda nós não nos machucássemos. Quando mais complexa e mais alta a torre humana, mais pessoas e mais inquietação com a base em ser compacta e armada. Na medida em que cada andar subia o corpo vibrava como o zunido de uma caixa de abelhas. Ali sim a sensação de união de explosão de ego parecia mais que uma metáfora.

Torre de 8 andares e Criança no topo: Perigo!

Nesse período que estive na Cataluña estive num festival em Vila Franca de Penedes. Lugar onde as principais equipes de Castellers do país se reuniam para fazer as suas torres de 1, 2, 3, 4 e cinco pessoas por andar e vi uma que se montou até 9 andares com um criancinha de capacete subir no topo. Vi alguma dessas torres caírem e até sair gente machucada. A descida é onde ocorre o perigo, mesmo na montagem eles só sobem os andares se os técnicos ou orientadores confirmarem a segurança. Em uma das quedas de torres que vi houve um dos homens da torre que catou uma criança no ar para impedir sua queda. 

Contaram-me que a adoção do capacete ocorreu após o falecimento de uma criança por uma queda.
Essas crianças do topo eram guardadas longe de ver as outras equipes montarem suas torres, pois se alguma caísse e a criança poderia ficar chocada, assim, talvez o medo a impediria de subir.
Formação base vista de cima ou La piña: a Pinha como a fruta do pinheiros

Nessas torres mais complexas eu participei de várias formações de base, inclusive, os bicões não ficavam em qualquer lugar. Toda densidade necessária é importante. Afinal, filhos, esposas, netos e parentes estão envolvidos numa construção intergeracional. A compreensão desse sentido comunitário e responsabilidade familiar e social, o amparo para construir algo, os filhos mais novos no lugar mais perigoso, tudo isso me cortava o peito.

Disseram-me que essas torres humanas era coisa específica da Cataluña. Algo que surgiu no medievo como uma figuração das capelas e de cunho religioso. Não sei dizer a origem, mas para ultrapassar o terceiro andar, os homens tiveram que incluir as mulheres. Sem as mulheres não haveria essa ousadia de fazer 9 andares. A incorporação da mulher foi um passo para reconhecer a importância delas na sociedade? Não sei dizer!? Mas as doidinhas adoravam subir, tal como os adolescentes e crianças.
a Pinha formação tal como é a fruta do pinheiros

Eu estudando anarquismo e vendo um exemplo vibrante de mutualismo diante de meus olhos. Pensei que naquele modelo ninguém era inservível, todos eram importantes. Todos eram protagonistas, todos sabiam os riscos e a adrenalina de fazer algo junto. Isso é o mais perto do que vi ser uma relação anarquista, embora aconteçam tantas experiências sociais, festas, cerimoniais ou nos esportes de massa experiências de catarses dos sentidos, tal como conclusões de nossa humanidade, ali, a metáfora era brincante, uma ciranda de corpo horizontal e vertical.