Formação da base do Castelo |
Em 2008 tive a oportunidade de conhecer uma manifestação cultural da Cataluña na pequena vila de Esparraguera. As famílias se reuniam para montar castelos humanos “Castellers”. Eu não sabia bem o que eu ia ver. De repente aquelas pessoas começaram a se organizar de modo peculiar.
Eu via que logicamente iam subindo de três em três uns sobre
os outros. Diante dos meus olhos foi surgiu um andar, depois outro composto por
homens, nem mais fortes nem mais gordos. Um técnico e outros assessoravam quem
entrava onde. Cada pessoa tinha um lugar específico para entrar, fosse qual
fosse sua estrutura física ou idade. Na base os observadores eram postos em
lugares de apoio e se apertando para a base não abrir.
Nos andares subsequentes iam mulheres, depois os
adolescentes, as crianças até que no topo subiam duas crianças de não mais de 5
anos, que levantavam a mão como que batendo um sino. Depois desse gesto, ocorria
a desmontagem, mais perigosas, pois as crianças e filhos daqueles todos ali
podiam cair e se machucarem.
Criança batendo a sineta |
Sei apenas que quando via aquele castelo humano montado fui
tomado de imensa emoção e meus olhos marejaram. Havia um sentido em si, total,
completo, bom, não sei dizer, mas fazia muito sentido de tudo que estava
especulando ser uma sociedade e uma possível relação humana.
Três Agurreros "Agulhas" |
Os bicudos como eu figurava éramos chamados para fazer parte
da base. Não tive dúvida quando me
chamaram a ser prensado entre ombros. Até o modo de se colocar era importante
para que no caso houvesse uma queda nós não nos machucássemos. Quando mais
complexa e mais alta a torre humana, mais pessoas e mais inquietação com a base
em ser compacta e armada. Na medida em que cada andar subia o corpo vibrava
como o zunido de uma caixa de abelhas. Ali sim a sensação de união de explosão
de ego parecia mais que uma metáfora.
Torre de 8 andares e Criança no topo: Perigo! |
Nesse período que estive na Cataluña estive num festival em
Vila Franca de Penedes. Lugar onde as principais equipes de Castellers do país
se reuniam para fazer as suas torres de 1, 2, 3, 4 e cinco pessoas por andar e
vi uma que se montou até 9 andares com um criancinha de capacete subir no topo.
Vi alguma dessas torres caírem e até sair gente machucada. A descida é onde
ocorre o perigo, mesmo na montagem eles só sobem os andares se os técnicos ou
orientadores confirmarem a segurança. Em uma das quedas de torres que vi houve
um dos homens da torre que catou uma criança no ar para impedir sua queda.
Contaram-me
que a adoção do capacete ocorreu após o falecimento de uma criança por uma
queda.
Essas crianças do topo eram guardadas longe de ver as outras
equipes montarem suas torres, pois se alguma caísse e a criança poderia ficar
chocada, assim, talvez o medo a impediria de subir.
Formação base vista de cima ou La piña: a Pinha como a fruta do pinheiros |
Nessas torres mais complexas eu participei de várias
formações de base, inclusive, os bicões não ficavam em qualquer lugar. Toda
densidade necessária é importante. Afinal, filhos, esposas, netos e parentes
estão envolvidos numa construção intergeracional. A compreensão desse sentido
comunitário e responsabilidade familiar e social, o amparo para construir algo,
os filhos mais novos no lugar mais perigoso, tudo isso me cortava o peito.
Disseram-me que essas torres humanas era coisa específica da
Cataluña. Algo que surgiu no medievo como uma figuração das capelas e de cunho
religioso. Não sei dizer a origem, mas para ultrapassar o terceiro andar, os
homens tiveram que incluir as mulheres. Sem as mulheres não haveria essa
ousadia de fazer 9 andares. A incorporação da mulher foi um passo para
reconhecer a importância delas na sociedade? Não sei dizer!? Mas as doidinhas
adoravam subir, tal como os adolescentes e crianças.
a Pinha formação tal como é a fruta do pinheiros |
Eu estudando anarquismo e vendo um exemplo vibrante de
mutualismo diante de meus olhos. Pensei que naquele modelo ninguém era
inservível, todos eram importantes. Todos eram protagonistas, todos sabiam os
riscos e a adrenalina de fazer algo junto. Isso é o mais perto do que vi ser
uma relação anarquista, embora aconteçam tantas experiências sociais, festas, cerimoniais
ou nos esportes de massa experiências de catarses dos sentidos, tal como
conclusões de nossa humanidade, ali, a metáfora era brincante, uma ciranda de
corpo horizontal e vertical.