Postado por Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 11 de março de 2013 (15:04) na categoria
por Miriam Abramovay e Mary Garcia Castro[1]
Os casos de violências nas escolas vitimizando jovens e professores é
tema que vem galvanizando atenção em nível mundial e, de fato, merece
políticas e debates. Mas sua complexidade não é apreendida mesmo que
nos fixemos nas preocupantes estatísticas e notícias, ou seja, não se
reduz a uma história em que há vilões e vítimas, cabendo punir aqueles. E
vem resistindo a resoluções legais e aparatos de repressão.
Também não
satisfaz inculpar alguns atores, como a família, os próprios jovens e
os professores. Pode transitar por níveis diferentes de análise, quando
há que discutir em qual sociedade vem se dando tais casos, em que
instituição , – no caso a escola - e o que se conhece sobre juventudes,
em especial por suas práticas, vontades e verbos.
Foto: Celso Junior/AE
É quando o próprio conceito de violência na escola deve ser ampliado
para além daqueles atos que ferem e matam – ameaças, agressões físicas,
armas, tráfico de drogas, roubos e furtos.
As violências nas escolas não se limitam a violências físicas. Pedem o
acento na ética e na política e a preocupação em dar visibilidade
àquelas que ofendem a identidade e dignidade do outro, como o racismo, o
sexismo e a homofobia.
As violências nas escolas são a antítese da razão, pautando-se por
relações em que não há lugar para o diálogo, a comunicação e a
negociação, pilares básicos da educação.
Defendemos que a escola não lida com temas que são básicos e que são
sentidos como violências pelos jovens, comprometendo seu bem estar e
desempenho escolar, o não reconhecimento das suas identidades ou buscas
identitárias e o clima escolar. Tal processo estimula violências que
muitas vezes só são reconhecidas quando tomam a forma de “violências
duras”
[2]. Há que ter mais sensibilidade pedagógica para lidar com a alteridade e a diversidade.
Há um hiato entre a cultura escolar e a cultura juvenil, o que é
pouco destacado quando se discute violências nas escolas.
E o não
conhecimento e reconhecimento do outro, da outra, é uma violência que
propicia violências.
O descompasso entre a cultura escolar e a cultura juvenil, a falta de
sensibilidade pelas formas de ser dos jovens e como esses privilegiam a
comunicação, os saberes que decolam do corpo e das artes, seriam também
fontes de conflitos que podem potencializar violências nas escolas.
O jovem é despido da condição de ser jovem ao se transformar em
“aluno”. É visto por uma perspectiva exterior, por uma imposição
normativa do sistema de ensino, perdendo-se de vista suas buscas e os
parâmetros de comportamento que fazem parte das modelagens de
juventudes.
Desconsidera-se, portanto, culturas juvenis, que se
caracterizam por serem dinâmicas, diversas, gregárias e que privilegiam
linguagens performáticas várias.
A cultura escolar, muitas vezes, se baseia em uma violência de cunho
institucional, a qual se fundamenta em diversos aspectos que constituem o
cotidiano da escola – como o sistema de normas e regras que pode ser
autoritário, as formas de convivência, o projeto político-pedagógico, os
recursos didáticos e a qualidade da educação. Tais constituintes dessa
cultura não necessariamente respondem às características, expectativas e
demandas dos jovens do século XXI, o que gera tensão no relacionamento
entre os distintos atores sociais.
A forma de vestir, por exemplo, é uma marca juvenil que os diferencia dos adultos. Usar
piercing
não é uma provocação: é ser jovem e os adultos têm dificuldade de
“suportar” marcas do “ser diferente”. A escola não apenas questiona a
conduta, como quer padronizar as aparências. Em geral é proibida a
entrada de jovens com celular,
piercing, touca, boné. O uso do
boné, no entanto, é uma questão estética e um dos principais traços
identitários de muitos jovens e adolescentes.
A cultura juvenil, entre vários jovens, alimenta-se da chamada
cultura de rua e a violência é um componente essencial dessa cultura,
tanto para garantir a sobrevivência dos jovens como para que os mesmos
sejam respeitados. E, portanto, cometer atos de violência torna-se signo
de força, de virilidade, de credibilidade, em um mundo onde eles sentem
pouca confiança nas instituições que, em tese, deveriam protegê-los.
Os jovens vivem em uma “sociedade do espetáculo” cujos valores se
pautam pela fama e o poder. Não se trata de apologia da cultura juvenil
quando esta se entrelaça com a cultura da violência, mas alertar que há
que conhecer a formação de tal entrelace para melhor, junto com os
jovens, criticar tal sociedade.
A escola tende a considerar a juventude como um grupo homogêneo,
socialmente vulnerável, desprotegido, sem oportunidades, desinteressado e
apático. Desconsidera-se o que é “ser jovem”, inviabilizando a noção do
sujeito, perdendo a dimensão do que é a identidade juvenil, a sua
diversidade e as diversas desigualdades sociais. O verbo do jovem não é
conjugado na escola.
[1] Miriam Abramovay -
Socióloga, Pesquisadora, Coordenadora da área de Juventude e Políticas
Públicas da FLACSO-Brasil, bolsista da FAPERJ e membro do NPEJI-Núcleo
de Pesquisas e Estudos sobre Juventudes, Identidades, Culturas e
Cidadanias – CNPq/UCSAL
Mary Garcia Castro – Professora da UCSAL, Programa
de Pós Graduação em Família na Sociedade Contemporânea e Mestrado em
Políticas Sociais e Cidadania; Co-Coordenadora do NPEJI- CNPq/UCSAL;
pesquisadora do CNPq; pesquisadora da FLACSO-Brasil e bolsista da
FAPERJ
[2] Entende-se por violências duras aquelas que são reguladas pelo código penal.