sábado, 11 de janeiro de 2014

A pedagogia anarquista grita aos ouvidos dos que dela necessita!



Em 2004 tive uma experiência em sala de aula que considero a mais significativa sobre meu pensamento a favor da pedagogia anarquista.

Na formação de geógrafos e educadores em geografia o trabalho de campo é sempre colocado como peça chave. Rouseau, Tolstoi e tantos outros precursores da educação sugerem ir no mundo real para aprender sobre a física e o mundo. 

Assim, alguns geógrafos marxistas no Brasil que se preocupam com a pedagogia, didática e transformações em prol de uma sociedade mais justa juntam ao coro da aula de campo, excursões, visitas de campo, aula externa e qualquer outra prática que tire os estudantes da sala e da escola para ver o mundo em sua dinâmica própria.

Então, no mesmo ano de 2004 eu fiz aulas de campo no litoral de João Pessoa com estudantes do ensino médio do CEFET-PB. Essas aulas eram para brindar a amizade e confiança já adquirida e conquistar outros mais reticentes. Depois pedi a todos que fizessem um relatório expedito, nada discursivo que apenas relatasse o que viram.

Foi uma experiência bem sucedida e consegui chegar a um resultado satisfatório, salvo um relato do estudante Y que mostrou outro sentido do que pedi e que após ler seus escritos, tive discussões em minha casa, perdi uma noite de sono e fiquei no dilema entre dar uma boa avaliação ou anular o valor desse trabalho.

Passei muitos anos buscando esse relato entre minhas coisas e já tinha dado como perdido, até que 9 anos após, revendo antigas correspondências, me deparo com esse importante documento de minha formação.

Agora reproduzo esse relato e finalizarei com o eu aprendi disso e por qual razão esse conteúdo é uma marco simples mas de muita valia para o que fui desenvolvendo depois.

Relato do estudante Y

Pouco sei falar da aula de campo de geografia que ocorreu no último sábado, eu quase desisti de ir devido à minha rotineira preguiça, de madrugada tomei banho de laminas cortantes e quando fui para a parada de ônibus mal notei que perdi um ônibus que passava bem ao alcance de meus olhos. Mas incrivelmente consegui chegar lá, eu me deparei com a minha turma desunida que finge ser “legal”, mas que REALMENTE não é! Cumprimentei alguns amigos que eu não tenho e tentei entrar no jogo dissimulado do 2° ano , sim, por que eu não poderia deixar de ser ridículo também? Por um dia eu não poderia deixar de ser o estanho da sala?  Eu estava em uma praia que nunca havia ido, e (era sábado). Quando descemos para a areia o professor falou de umas pedras; o que pode ter de interessante em pedras? Eu tentei escutá-lo, na verdade eu até escutei, mas sinceramente não lembro de quase nada do que ele disse, talvez porque eu não achei interessante, por que as pedras não eram tão “adoráveis” como as pessoas da sala?
O meu objetivo continuava de pé, apesar de andar, andar, andar... E o sol então? Deus seria quase perfeito se eu não existisse o dia! Mas, mesmo com todos os problemas, eu tentei ser simpático, como na verdade eu sempre tento, acho agora que sou o mais dissimulado daquela turma! Não quero me apegar aos detalhes que não existem sobre este ignóbil passeio!
Também não falarei das pedras, nem sobre as falésias vivas ou mortas, nem das moribundas. Pois na verdade, nada sei sobre tudo, e nem consigo fazer uma relação normal, assim como fazem todas as pessoas!
O que me lembro é que fiz duas coisas inéditas, talvez disso eu não me esqueça: dancei forró (um ritmo nojento) pela primeira vez, não que isto seja motivo de orgulho, mas foi algo inédito para mim; era engraçado os aborígenes da praia lavando roupas num rio fétido (rio peruca, eu acho!), com pessoas apontado-as como se fosse algo muito distante de nossa realidade; também fiz outra coisa surpreendente, tirei uma foto com a turma que eu não faço parte (eu odeio ser fotografado!).
Mas, por que eu não dormi naquele dia? O que me levou a ir para esta simples aula de campo? Nada? Pois na verdade eu não fui, eu continuei dormindo para que eu perdesse meu tempo fazendo relatório completamente sem nexo! E sabe o que disseram as pessoas da sala num só coro com belíssimos sorrisos: - Nos adoramos a aula de campo!

Quando me deparei e li esse relato eu desmontei de tristeza e de raiva. Trabalhei um dia sem remuneração, vi todos felizes e por qual razão um jovem perderia tempo de fazer um testemunho de si, dos outros e de minha prática tão negativos?

Demorei bastante a perceber que ele me deu uma prova maior de confiança, afinal, por que se auto denunciar? Hoje relendo, percebi que ele aprendeu muito mias do que eu imaginei. Na época tasquei a nota máxima. O espanto do estudante Y quando viu isso foi engraçado! Ele realmente queria se ferrar! Coisa de jovem suicida!

Sofri para entender o negativismo e a apresentação de falta de sentido que a aula de campo teve. Mas na época eu entendi que a melhor coisa que uma estudante pode oferecer a um professor é a confiança de que suas palavras serão respeitadas. Também, que não há uma prática pedagógica que seja boa para todos.

Hoje, com os parâmetros da pedagogia anarquista, compreendo que o ensino formal, unificado, de massa, obrigatório e autoritário faz muito mal às pessoas. Alguns conseguem falar do mal estar que sentem, outros não se demonstram perturbados e sobrevivem.

Esse relato ranzinza foi um dos primeiros eventos que me deram a partida para sair da proposta marxista na pedagogia em seu cunho reducionista, autoritário e diretivista.